A biodiversidade como negócio

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A foto é uma reprodução de uma das páginas do 2011 Rio Conventions Calendar,que está sendo distribuído na Conferência, e é de autoria de Aaron McConomy

 

A presença de empresas e de representantes das indústrias de todo o mundo nunca foi tão grande numa Conferência da Diversidade Biológica como na COP 10 (10ª Conferência das Partes) que acontece agora em outubro, em Nagoya, no Japão. Aparentemente, as soluções de mercado, que já fazem parte da Convenção do Clima com seus mercados de carbono e os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDLs), chegaram para ficar também na CDB.
A maioria dos eventos paralelos (os chamados side events) são organizados por esses atores no que se tornou um grande evento de promoção da biodiversidade enquanto negócio. Títulos como “Financiando o futuro”, “Políticas e regulamentação da biodiversidade e ecossistemas – Uma perspectiva de negócios” e ainda “Valorando os serviços prestados por ecossistemas e benefícios de áreas protegidas” ilustram um pouco esse cenário.
Além disso, a confirmação de pouquíssimos chefes de estado até agora para o chamado High Level Segment (que designa as reuniões restritas aos chefes de Estado e representantes de governo) _até agora somente Iêmen, Gabão e Guiné Bissau estão confirmados_ junto com a presença pequena de movimentos sociais e organizações da sociedade civil mais críticas (são pouquíssimos os representantes da Via Campesina, por exemplo, dos movimentos sociais de base e de outras ONGs não-conservacionistas no evento), contribui ainda mais para uma COP da Biodiversidade com um perfil muito diferente daquele que vinha tendo até então.
A biodiversidade tem sido definida como um bem que deve ter reconhecido seu valor monetário, como forma não só de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também como instrumento de desenvolvimento de comunidades locais e com a capacidade de proporcionar ganhos extras para governos e empresas. A expressão business opportunities (oportunidades de negócios) é a que mais tem sido ouvida nos eventos paralelos e mesmo nas plenárias da conferência.
Um desses instrumentos de mercado que tem sido discutido à exaustão nos eventos paralelos é o chamado TEEB (A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, na sigla em inglês), produzido por um grande grupo de especialistas dentro do UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente),liderado pelo economista indiano Pavan Sukhdev e apresentado em volumes orientados a públicos específicos, o estudo tenta responder qual é o real valor da biodiversidade. TEEB apresenta o mais novo mecanismo de comodificação da natureza e muito provavelmente será utilizado pela CDB como base para seus trabalhos.
Com o objetivo declarado de salvar a biodiversidade, este estudo, lançado em 2007 a partir de uma proposta dos ministros de meio ambiente do G8 + 5 (grupo dos países mais ricos, mais o Brasil, China, Índia, África do Sul e México) para calcular os custos das perdas de biodiversidade e ecossistemas, na verdade promove a tributação dos serviços ambientais prestados pela natureza e estabelece um preço para que eles sejam gerenciados através de mecanismos de “financiamento inovadores”.
Pavan Sukhdev o descreve como uma abordagem de valoração que vai além de um modelo mercadológico, uma vez que o valor é fixado pela demanda do mercado – ou seja, quanto estamos dispostos a pagar por determinado serviço da natureza ou, no caso de bens, qual é o custo associado à sua produção. Esse mecanismo será construído pelo mesmo conceito de offsetting e tem em comum o modelo de compensação utilizado em REDD. A idéia é que transnacionais que destroem a biodiversidade poderiam comprar créditos de bancos que manejariam os ativos obtidos através de atividades dedicadas a proteger ecossistemas ou espécies nativas.
A campanha em favor do TEEB tem sido extensa em Nagoya, não só através dos representantes das empresas, mas também de muitos governos _entre eles o do Brasil_ e de grandes organizações conservacionistas como a IUCN (International Union for Conservation of Nature) e a Conservation International, que o definem como sendo uma maneira de gerar recursos através de e para a proteção da biodiversidade. O secretário da Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias, declarou durante a COP 10 que “não é suficiente evitar mais perdas. Precisamos promover a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, assim como a compensação por essas ações. Uma iniciativa como o TEEB é crucial para colocar esses argumentos de forma econômica e ajudar na transformação dessas discussões”.
Durante um evento para divulgação e promoção do TEEB, o estudo chegou a ser defendido por Pavan como um instrumento de grande importância para combate da pobreza no mundo.
Algumas organizações da sociedade civil (como as ONGs Terra de Direitos, Amigos da Terra e CBD Alliance) têm criticado duramente este novo mecanismo e se manifestado em favor de outros parâmetros para definição das políticas multilaterais e avaliam que a proposta viola um dos objetivos principais da CDB, que é a valorização dos conhecimentos tradicionais locais associados ao uso e conservação da biodiversidade.
O mecanismo é considerado uma afronta aos objetivos da Convenção no que diz respeito à conservação, uso sustentável e repartição de benefícios, uma vez que a instituição, até então, sempre se preocupou com outros valores intrínsecos à biodiversidade, como valores culturais, econômicos e espirituais. Uma das propostas da sociedade civil em alternativa ao TEEB é que não sejam privilegiados mecanismos inovadores de mercado, em detrimento dos mecanismos já existentes na Convenção.
Com medo de que a CDB recepcione este estudo fazendo referências nos seus textos finais, representantes da sociedade civil presentes na COP 10 encaminharam uma manifestação aos negociadores do Itamaraty, reforçando a preocupação com a proposta e afirmando que a conservação e uso sustentável da biodiversidade “também se realizam através, e principalmente, da garantia do direito à terra e ao território, ao livre uso da biodiversidade pelos povos, comunidades locais, agricultores familiares camponeses.”
Fato é que, no lugar de utilizarmos mecanismos de mercado que têm se mostrado não só arriscados como ineficientes, teríamos resultados muito mais positivos se fossem garantidos recursos globais públicos para não só combater as mudanças climáticas, como também para proteger a biodiversidade. 

Os quatro estudos sobre TEEB _em inglês_ podem ser obtidos no link http://www.teebweb.org/
A CNI (Confederação Nacional das Indústrias) traduziu o estudo “TEEB for business” e pode ser lido » aqui