Reflexões de Karina Penha e Kaianaku Kamaiurá, do movimento Amazônia de Pé.
A 29ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), realizada em Baku, no Azerbaijão, foi marcada por dois debates principais: financiamento e adaptação. Última Conferência antes das Partes desembarcarem em Belém do Pará no ano que vem, a COP de Baku contou com a participação em massa da sociedade civil brasileira e apontou rumos para discussões futuras.
Batizada nos corredores como a “COP do Financiamento”, a expectativa era dos países debaterem uma dinâmica justa de funcionamento dos principais fundos climáticos. As negociações, no entanto, resultaram um tanto frustrantes. Um exemplo disso é a proposta da Nova Meta Quantificada Coletiva sobre Financiamento Climático (NCQG), que estipula uma contribuição de apenas US$ 300 milhões anuais até 2035, quando a demanda real para enfrentar as medidas necessárias é estimada em pelo menos US$ 1,3 trilhões por ano. Outro foi a remoção dos Direitos Humanos e povos Indígenas do texto final. A disparidade entre a promessa e a necessidade com o resultado final demonstra a fragilidade das ações climáticas,l - especialmente em apoiar países do Sul Global- como alertou Claudio Angelo, do Observatório do Clima. Trata-se de um evidente reflexo da falta de comprometimento global dos países poluidores com o futuro das pessoas, em especial das populações que estão nas periferias do mundo.
O financiamento climático adequado garantiria os recursos necessários para implementar políticas, tecnologias e ações voltadas à conservação ambiental. Ele permite a manutenção de projetos de preservação, o apoio a comunidades locais e o combate ao desmatamento ilegal, assegurando que os esforços para proteger biomas valiosos para o planeta não sejam interrompidos por falta de recurso. Para o Brasil, e em particular para a Amazônia, esse financiamento é ainda mais essencial, tanto por seu papel central no equilíbrio climático global, quanto por abrigar a floresta mais biodiversa do mundo e ser o lar de mais de 30 milhões de pessoas.
A expectativa é que essa discussão seja levada com a urgência e a importância devidas para os debates futuros e próximas Conferências. Durante a COP29, no entanto, os movimentos sociais observaram - com preocupação - uma crescente presença de empresas do agronegócio e de mineradoras, tanto no espaço de governo brasileiro quanto em outros espaços oficiais da Conferência, maior participaçãodesses setores destaca a necessidade de fiscalização e diálogo sobre os impactos ambientais gerados por setores econômicos que historicamente contribuíram para a degradação da Amazônia.
À medida que nos aproximamos da COP30, as vozes das comunidades afetadas e da sociedade civil não podem ser silenciadas em favor do lobby dessas grandes empresas. A Amazônia de Pé utilizou o espaço da sociedade civil para, por exemplo, realizar o lançamento internacional do Observatório das Florestas Públicas, em parceria com o IPAM. Iniciativas como o Observatório mostram que na Amazônia é possível mobilizar, gerar dados e incluir a sociedade civil nos diálogos sobre as políticas que afetam nosso futuro. Em um momento em que o mundo dirige suas atenções à nossa biodiversidade, aquelas e aqueles que vivem e lutam pela floresta precisam estar no centro da discussão. Nesse contexto, destaca-se também a importância da Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Locais. Criada em 2018, essa iniciativa busca incluir as vozes indígenas nas deliberações climáticas. Apesar de seu papel relevante, a plataforma enfrenta desafios, especialmente pela falta de inclusão dos direitos humanos e indígenas nas metas de financiamento, refletindo uma necessidade premente de revisão nas prioridades estabelecidas na NCQG.
Com a próxima COP ocorrendo no Brasil, que tem a mudança de uso da terra como sua principal fonte de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs), o nosso papel é pautar o financiamento para a proteção da biodiversidade e das florestas tropicais, uma vez que o debate sobre florestas ainda caminha lento, avançando apenas nas discussões econômicas sobre mercado de carbono. O texto final do Artigo 6.2, aprovado na Conferência, trata da comercialização de carbono. Esse tema, para os povos indígenas, ainda gera muitas preocupações, tendo em vista experiências negativas do passado, que incluem assédios nas comunidades com contratos abusivos, sem a participação plena e efetiva garantindo as salvaguardas para os povos indígenas. E apesar de termos uma legislação sobre essa questão tramitando no Senado Federal, a participação dos povos indígenas nas discussões tem sido superficial, de forma limitada.
As negociações sobre a comercialização de carbono devem incluir salvaguardas reais e efetivas para os direitos territoriais dos povos indígenas. A falta de estrutura para lidar com tal comercialização, seja em âmbito privado ou jurisdicional, pode resultar em mais prejuízos para as comunidades tradicionais. Sem uma estrutura adequada para regulamentar a comercialização de carbono, corre-se o risco de repetir erros do passado, onde muitos povos tradicionais foram marginalizados e seus direitos desconsiderados.
Apesar do entusiasmo em sediar a COP 30 no Brasil, é fundamental manter os pés no chão e reconhecer que não será possível resolver todos os desafios das mudanças climáticas ou superar os impasses acumulados em 30 anos de encontros das Partes. O principal papel do Brasil será de garantir uma sociedade civil atenta, mobilizada e capaz de pressionar os representantes brasileiros a priorizarem a proteção da floresta e os direitos dos territórios tradicionais, considerando as desigualdades racial e de gênero. Essa participação é essencial para promover justiça climática, desmatamento zero até 2030 e a adaptação às mudanças climáticas, protegendo quem defende esses territórios e assegurando o direito à vida e a continuidade de práticas sustentáveis. A presidência brasileira da COP, oficialmente repassada em Baku, também reforça a necessidade de incluir comunidades historicamente marginalizadas, criando caminhos de diálogo para aqueles que não têm acesso à Blue Zone, local da Conferência onde ocorrem as negociações e eventos oficiais.
O caminho será longo, mas a mobilização da sociedade civil organizada e de movimentos como a Amazônia de Pé serão essenciais para garantir que, ao final da COP30, os compromissos globais reflitam a urgência da crise climática que enfrentamos territorialmente e globalmente. Como discursou o presidente Lula, “a COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático”. Nós somos a última geração que pode salvar a Amazônia. Esta é a nossa oportunidade histórica de agir.