Comunidades remanescentes de quilombo no Brasil: Resistência continua a ser a palavra!

Remanescentes de quem mesmo?

O senso comum na sociedade brasileira ainda afirma que quilombos são espaços de escravizados fugidos, onde foram constituídas comunidades com organização própria. Entretanto, nas últimas décadas este termo tem sido ressignificado pelas ciências sociais, em especial pela antropologia e pela história, trazendo o sentido mais para a organização comunitária do que para a forma de sua constituição. O marco público e político para este grupo se dá na Constituição Federal de 1988, na qual o Estado brasileiro reconhece a existência e declara suas obrigações para com tal grupo: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos” (BRASIL, 1988).

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Um grupo de quilombolas do Maranhão, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro realizam uma manifestação em frente ao STF. 18/04/2012. Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

Hoje, portanto, o termo é usado para designar a situação desses segmentos negros em diferentes regiões e contextos no Brasil, fazendo referência a diversas formas de ocupação e uso das terras que resultaram da compra por negros libertos; da posse pacífica por ex-escravizados; de terras abandonadas pelos proprietários em épocas de crise econômica; da ocupação e administração das terras doadas aos santos padroeiros ou de terras entregues ou adquiridas por antigos escravizados organizados em quilombos, entre outras possibilidades. Nesse contexto, os quilombos foram apenas um dos eventos que contribuíram para a constituição das “terras de uso comum” (ALMEIDA, 2010, p.104), categoria mais ampla e sociologicamente mais relevante para descrever as comunidades que fazem uso do artigo constitucional. Almeida afirma que:

[...] elas (terras de uso comum) designam situações nas quais o controle dos recursos básicos não é exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros. Tal controle se dá por meio de normas específicas instituídas para além do código legal vigente e acatadas, de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas entre vários grupos familiares, que compõem uma unidade social. Tanto podem expressar um acesso estável à terra, como ocorre em áreas de colonização antiga, quando evidenciam formas relativamente transitórias intrínsecas às regiões de ocupação recente. A atualização destas normas ocorre em territórios próprios, cujas delimitações são socialmente reconhecidas, inclusive pelos circundantes. A territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e força. Laços solidários e de ajuda mútua informam um conjunto de regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável, não obstante disposições sucessórias, porventura existentes.

Mas a partir do Decreto nº 4.887/2003 (BRASIL, 2003) e da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT (Decreto 6040/2007), são considerados “remanescentes de quilombo grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida” (BRASIL, 2003; BRASIL, 2007).

O Decreto, assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concede a essas populações o direito à autoatribuição como único critério para identificação das comunidades quilombolas, tendo como fundamentação a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o direito de autodeterminação dos povos indígenas e tribais. Anteriormente, quando foi instituída a primeira regulamentação de identificação e delimitação dos territórios das comunidades quilombolas (Decreto 3912/2001, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso), para o processo e identificação e regulamentação era necessário que o governo através da Fundação Cultural Palmares, comprovasse a identidade quilombola por estudo antropológico, topográfico e histórico para então dar início ao processo de regulamentação dos territórios. Esta mudança é de extrema significância, pois reconhece que afirmar a identidade do grupo é uma decisão dos sujeitos e não de outro. No caso, de técnicos como os antropólogos, que precisavam “atestar” essa identidade. Ou seja, valida-se a narrativa e a solicitação da comunidade.

Todos estes dispositivos têm, como objetivo central, assegurar a possibilidade de sobrevivência e florescimento de grupos dotados de cultura e identidade étnica próprias, ligadas a um passado (e ao presente) de resistência à opressão, os quais, privados do território em que estão assentados, tenderiam a desaparecer, absorvidos pela sociedade envolvente. Para os quilombolas, a terra habitada, muito mais do que um bem patrimonial, constitui elemento integrante da sua própria identidade coletiva, vital para a manutenção dos vínculos entre os membros do grupo, vivendo de acordo com os seus costumes e tradições. (QUINTANS; SOUZA, 2011, p. 22).

Moraes (2015, p. 3) destaca mais alguns elementos:

[...]o título do território não é emitido em nome das pessoas que compõem o grupo, mas sim no nome da associação que representa a comunidade. A outra especificidade é que o Decreto 4887 prevê a garantia de um território e não apenas da terra. Diferente de outras formas de propriedade, o território quilombola não é apenas aquele espaço ocupado de forma individual, ele corresponde a uma área comum. A extensão dessa área é definida pela própria comunidade, não por terceiros, sua identificação leva em conta a possibilidade de garantia de sobrevivência do grupo. O Decreto 4887/2003 também identifica o sujeito desse direito quilombola ao estabelecer alguns critérios como: grupos étnico-raciais, autoatribuição, trajetória histórica própria, relações territoriais específicas, ancestralidade negra.

Compreendemos que a necessidade de acionar o Estado para a garantia da sobrevivência de um grupo específico se dá por questões históricas e sociais que negaram a este grupo a possibilidade de consolidar-se enquanto cidadão pleno, garantindo suas propriedades, forma de vida e reprodução. No que tange as comunidades remanescentes de quilombo, a escravidão interrompida oficialmente sem a inclusão destas pessoas no mercado de trabalho, a negação de sua história, cultura e forma de vida, impactou diretamente no não acesso a garantia de seus territórios de forma oficial. Costumo dizer que o dia mais longo foi o dia 14 de maio de 1888, o dia em que os ex- escravizados se perguntaram: E agora?

Este momento é crucial para compreendermos porque até os dias de hoje a população negra luta para tornar-se cidadã de direitos. Esta cidadania sempre nos foi negada nas cidades e no campo. No cenário rural essa negação se estende até o desconhecimento total, como as comunidades mantiveram-se com contatos mínimos com as cidades até 1930, como em diversos casos em que me deparei no baixo sul da Bahia. Esta estrutura de negação de existência é retomada hoje nas práticas do atual governo brasileiro: o que não existe não precisa ser cuidado.    

Quilombolas e a atualidade

Nosso país vinha caminhando desde a ruptura com a ditadura militar (1964-1985) em um processo de consolidação da democracia, no qual a participação popular havia começado a ser experimentada. Refiro-me ao acompanhamento das políticas públicas, aos espaços de diálogo com o estado que experimentamos durante curtos 15 anos. A atualidade do Brasil é a consolidação de um projeto político avesso a qualquer forma de participação popular, que afirma o Estado mínimo e que desacredita a eficácia da democracia. Assim desmonta tudo que possa se contrapor a visão totalitarista e extremamente conservadora que este governo impõe.

Antes de sua eleição como presidente da República, Jair Bolsonaro, então deputado federal se posicionou diversas vezes, de forma veemente, contrário a qualquer política e ação do estado em favor das populações mais vulnerabilizadas. Ataques às comunidades indígenas, aos grupos LGBTQI+, às comunidades quilombolas, aos movimentos negros, aos grupos feministas, entre outros foram corriqueiros nos seus discursos, o que fez com que o mesmo respondesse por alguns processos[1]. Mas nada disso parou seus ataques, e mais, suas falas sexistas, racistas, homofóbicas etc, foram um dos motivos que o elegeram como representante desta parcela da sociedade que sonha com um país que nunca existiu, um país branco, cristão, heteronormativo e conservador.

Com a eleição deste governo todo o processo de desmonte das políticas de reparação iniciado no golpe de 2016, avança como estouro de boiada. A extinção de ministérios, fusão de outros, a nomeação de pessoas com interesses contrários ao que os órgãos se propunham, se soma com desmonte orçamentário.

O INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária -, órgão responsável pela titulação dos territórios quilombolas, vem sofrendo com a redução drástica de recursos para este fim. Segundo a organização Terra de Direitos, em matéria publicada em maio de 2018, os recursos destinados à titulação dos territórios quilombolas sofreram queda de mais de 97% entre 2013-2018. No ano de 2013 o governo federal usou mais R$ 42 milhões para desapropriar terras em território quilombola, em 2018 os recursos empregados não chegaram a R$ 1 milhão. Segundo os processos de regularização das comunidades quilombolas em curso, 32 áreas de 12 comunidades remanescentes de quilombo, aguardam a desapropriação para chegarem ao tão sonhado título de propriedade.

Buscamos no site do INCRA valores disponíveis para desapropriação quilombolas e para custeio dos processos em 2019 e 2020 e não encontramos, os links nos levam a labirintos de informações, dificultando o acesso e transparência dos dados.

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Além da diminuição drástica junto ao INCRA, inviabilizando os processos de regularização territorial, as demais políticas públicas construídas a duras penas, também estão sucateadas. Segundo o INESC[2], os recursos do Programa Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade - que abriga o fomento ao desenvolvimento das comunidades quilombolas, ações afirmativas, ações para reconhecimento e indenização no processo de regularização fundiária, quando necessário, além dos programas e ações de combate ao racismo, no ano de 2019 foram quase 60% menores, comparados a 2016 (diminuiu de R$ 46 milhões para R$15 milhões). No que tange aos recursos aportados para ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural, que atua diretamente com agricultura familiar nas comunidades quilombolas, o governo autorizou 2 milhões para uso, nos anos de 2016-2017, mas estes recursos não foram utilizados para estes fins. Nos anos de 2018 e 2019 nenhum recurso novo foi destinado a ATER.

Outra política muito atacada pelo governo federal foi a bolsa permanência universitária, incluindo aí estudantes de comunidades tradicionais, que foram cortadas em 100%[3]. Nesta mesma linha encontram-se as políticas de implementação da educação quilombola, que já andava a passos de cágado e hoje estão efetivamente paralisadas, ao que depende do governo federal, dependendo mais do que nunca de ação local dos estados ou municípios.

Não dá para falar do desmonte das estruturas sem mencionar a Fundação Cultural Palmares. Espaço institucional que foi constituído como marco na luta e enfrentamento ao racismo e na promoção de ações do estado em reparação aos danos infligidos à população negra no Brasil. Hoje dirigida por um homem que afirma não existir racismo no Brasil, que nega nossos marcos históricos como as figuras de Zumbi, Dandara entre outros e mais, que desqualifica toda a luta contra o racismo e os movimentos de reparação. Como tenho costumado dizer: mataram Zumbi mais uma vez.

Uma das funções da Fundação Cultural Palmares é emitir a certidão de reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombo. Vejam a redução no número de titulação dos últimos anos: 2018, foram emitas mais de 200 certidões; 2019 são emitidas 56; 2020, até outubro, foram emitidas apenas 21 certidões. Estes dados estão no site da FCP, nas tabelas que podem ser consultadas de forma fácil. Que cenário se aponta com estes números? Será que até 2022 ainda teremos comunidades quilombolas certificadas?

O cenário de retrocesso corrobora também o aumento de violência sobre as comunidades e suas lideranças. Nos últimos anos o Mapa de Violência no Campo produzido pela CPT – Comissão Pastoral da Terra -, nos mostra um crescimento assustador dos números. Segundo matéria do Brasil de Fato e Agencia Brasil[4], o relatório comprova que o número de conflitos no campo no primeiro ano do governo atual, 2019, é o maior dos últimos 10 anos, totalizando 1.833 ocorrências registradas, 344 ocorrências a mais do que em 2018. O discurso do presidente da República é um dos fatores que ampliou a violência, segundo o centro de pesquisa responsável pela compilação dos dados.

Não é novidade os discursos de ódio de Jair Bolsonaro, a novidade está na legitimação do discurso de ódio pela Presidência da República. Está também na fragilização dos órgãos que deveriam solucionar os conflitos e combater os abusos. Obviamente que a luta pela terra sempre deixou e continua a deixar rastro de sangue no Brasil, mas a legitimação da violência pelo Estado e pela sociedade brasileira cresceu de forma assustadora. Aqui na Bahia acompanho diretamente a luta de alguns territórios quilombolas, inclusive o assassinato de duas lideranças: Binho, do Quilombo de Pitanga dos Palmares (2017) e Seu Antônio Correia, do Quilombo do Barroso (2020). Embora as duas lideranças estivessem enfrentando conflitos há mais de dez anos, seus confrontantes sentiram-se seguros para executá-los neste contexto de ódio, e mais ainda, para espalhar informações falsas sobre eles, deslegitimando suas lutas. O governo Bolsonaro contribuiu decisivamente para que os dois fossem vítimas, devido ao fortalecimento dos discursos de ódio, o que legitima o comportamento violento e a impunidade. Seus algozes não temem a responsabilização.

Mas quem está por trás destes conflitos no campo, que impactam diretamente a vida das comunidades tradicionais? Bom, a resposta é vasta, pois existem diversos interesses, mas vamos trazer algumas informações. Segundo o relatório de 2019 da CPT, temos alguns grupos de interesses que revelam os atores por trás dos conflitos: o setor de mineração está envolvido em 39% dos casos de assassinato de defensores de direitos humanos, hidroelétricas em 11%, governo em 7% e empresários em 36%. Dentre as denúncias registradas pelas populações temos intimidação, omissão, ameaças de morte, danos ao patrimônio, contaminação por mercúrio e agressões. 

Mais do saco de maldade do governo federal: pandemia e quilombos

Enquanto grande parte do mundo se mobiliza para salvar e proteger as pessoas, o saco de maldades do governo do ódio, que comanda o Brasil, coloca em prática mais planos de genocídio do povo preto e do povo quilombola. Não é somente na fragilização e desmonte das políticas de saúde, que atingem principalmente as áreas periféricas e rurais. Não é somente na precária implementação de políticas públicas que minimizem a falta de saneamento básico e na inexistência de ações qualificadas de inclusão social. Também se puxa o tapete de sua base territorial, o chão, o espaço de vida e reprodução. Traremos alguns casos para comprovar nossas afirmações:

No dia 26 de março, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) publicou, no Diário Oficial da União (DOU), a Resolução 11/2020, que estabelece diretrizes para a expulsão e reassentamento dos quilombolas de Alcântara, no Maranhão, um território ocupado e defendido por essas comunidades desde século XVIII. Entretanto, sobre o caso de Alcântara é fundamental entender o que está em jogo. O Mapa dos Conflitos envolvendo justiça ambiental e saúde no Brasil[5] afirma que:

‘’De acordo com a Nova Cartografia Social da Amazônia, o programa aeroespacial brasileiro foi iniciado na década de 1980 e a escolha de Alcântara como local para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), veio acompanhada de desapropriações e expulsões dos quilombolas que ocupavam a região, além de sua remoção para agrovilas construídas pela Aeronáutica, que não contavam sequer com saneamento básico. Famílias e laços de amizade não foram respeitados na definição dos novos locais de assentamento, separando as pessoas e rompendo suas relações e tradições. A perda do espaço tradicional também gerou violações ao direito de manutenção à cultura quilombola, insegurança alimentar, proibição de livre circulação no território, falta de acesso às políticas públicas de educação, saúde, saneamento básico e transporte.”

Assim, a questão de Alcântara não é nova, são mais de 20 anos em que diversos governos vêm negociando com outros países, principalmente com os EUA a exploração do CLA. Em 2019 o acordo foi aprovado e prevê a cessão da base de lançamento de foguetes e satélites para os Estados Unidos. No entanto, até então o governo federal negava a possibilidade de remoção das famílias. Mas, em março de 2020, em meio à pandemia, o general Augusto Heleno, chefe do GSI, assinou resolução pela remoção das comunidades.

 

As diversas organizações, como a CONAQ, Terra de Direitos e Justiça Global, que lutam pelos direitos das comunidades quilombolas se manifestaram imediatamente e estão buscando formas de impedir tão ação. Mesmo que a Constituição brasileira artigo 231, a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e a Convenção 169 da OIT, a qual o Brasil é signatário, afirmem que as comunidades precisam ser ouvidas e consultadas, no entanto pelo documento publicado no DOU percebemos que a possibilidade de negação à remoção das comunidades não é nem considerada. Não houve diálogo. A remoção de fato ainda não ocorreu, mas o risco paira diariamente sobre as comunidades quilombolas. 

No mês de julho, o presidente vetou 22 pontos do Projeto de Lei 1142/20, que previa medidas de proteção às populações tradicionais durante a pandemia. Entre os pontos vetados estavam a garantia de acesso à água, fornecimento de materiais de higiene, limpeza e desinfecção garantidos via governo federal e também acesso à verba emergência para garantir acesso a serviços de saúde e internet. Segundo a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), a situação de vulnerabilidade no que tange ao saneamento básico e acesso à água, impacta a maioria das comunidades quilombolas. Com a pandemia o não acesso à água de qualidade, amplia a ainda mais o risco de contaminação.

Segundo o Observatório da Covid 19 nos Quilombos[6], até 17 de outubro são: 4604 casos confirmados; 1219 monitorados e 167 óbitos. Infelizmente, perdemos pessoas conhecidas que nos ensinaram muito: Dona Uia, 79 anos, liderança da comunidade remanescente de quilombo da Rasa, Búzios (RJ), foi uma delas. A região dos lagos, no Rio de Janeiro, lidera as mortes de quilombolas no país com 36 óbitos. Dona Uia deixou seis filhos, oito irmãos e sua mãe Dona Eva com 110 anos. Todo o movimento quilombola e todos os militantes pela causa quilombola ficaram um pouco órfãos com sua partida.

O quilombo de Rio dos Macacos[7], localizado em Simões Filho (BA), bem próximo a Salvador, é outro caso grave de violação de direito. A comunidade teve em junho de 2020, 98 hectares, que representam uma parte muito pequena do território reivindicado inicialmente pela comunidade, titulados pelo INCRA. Mesmo assim a gestão da Marinha impede a continuidade da vida comunitária por meio da agricultura além dos espaços dos quintais, assim como o acesso à água e áreas comuns religiosas, culturais, fundamentais para sobrevivência da comunidade. Os embates continuam, e a situação da comunidade é de extrema vulnerabilidade.  A comunidade segue denunciando essas violações. Não bastam todos os questionamentos das identidades, as violações constantes. É preciso impedir a vida, acesso a água é acesso a vida.

Visitar as diversas situações de vulnerabilização impostas às comunidades remanescentes de quilombo no Brasil, é visitar as práticas escravocratas que permanecem na sociedade brasileira. A conquista da cidadania plena destes grupos, assim como todos os outros grupos étnicos, como as comunidades indígenas, só será possível com a superação do racismo que está na estrutura do Estado e nas relações entre as pessoas. Para além deste processo amplo que é a superação do racismo, é necessário que tenhamos vontade política na aplicação das legislações construídas, na aplicabilidade das políticas públicas e no diálogo com os diversos grupos sociais. Infelizmente, nosso momento político nega as três necessidades que compreendo serem fundamentais para avançarmos, mesmo que a passos de cágado na construção de uma sociedade com mais equidade. 

Referencial bibliográfico:

INESC. Orçamento público e direitos quilombolas. 29/07/2020. Disponível em: https://www.inesc.org.br/orcamento-publico-e-direitos-quilombolas/, acesso em 12 out. 2020.

GUALBERTO, Ana Emília Martins. Identidades e direitos – Mulheres lideranças dos quilombos de Barroso e Jetimana Camamu-BA. Dissertação Mestrado em Cultura e Sociedade, IHAC – UFBA. 2018. Salvador, Bahia.

SCHRAMM, Franciele Petry. Orçamento para titulação de territórios quilombolas cai mais de 97% em cinco anos. Site Terra de Direitos, 14/05/2018. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/orcamento-para-titulacao-de-territorios-quilombolas-cai-mais-de-97-em-cinco-anos/22824, acesso em 12 out. 2020.

SEVERO, Valdete Souto. Jair Bolsonaro traz discurso de ódio como fala oficial da Presidência. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/jair-bolsonaro-traz-discurso-de-odio-como-fala-oficial-da-presidencia/, acesso em 03 dez. 2020.

MORAES, Daniela Paiva Yabeta. Quilombos do sul fluminense: história, memória e direito na luta pela titulação de seus territórios. In: ENCONTRO ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL, 7, 2015, Curitiba. Anais... Curitiba: UFPR, 2015.

QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana; GAY, Antonia. Movimento negro e a luta por direitos: a participação na ANC e as conquistas na Constituição federal brasileira. Disponível em: http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7d7733c8d01b7352, acesso em 9 jul. 2018

Neepes/ENSP/Fiocruz. Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde  no Brasil. Disponível em: http//mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/?conflito=ma-comunidade-quilombola-de-alcantara-continua-luta-contra-o-centro-de-lancamento-e-pelo-seu-direito-de-ficar-na-terra, acesso em 10 dez. 2020.

 

[3] O Senado aprovou um projeto que proíbe o cancelamento de bolsas de estudos concedidas por diversos programas do governo. A vedação valerá, pelo menos, até o fim de 2021. Ver em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/02/senado-aprova-lei-que-proibe-cancelamento-de-bolsas-de-estudos-do-governo-ate-o-fim-de-2021.ghtml.