Em 2018, o Brasil produziu uma média 79 milhões de toneladas de lixo, tornando-se um grande “aterro” na América Latina. Se continuarmos nesse ritmo, em 2030 bateremos o recorde de 100 milhões de toneladas por ano. Quando o desafio ambiental em pauta é a questão do lixo, grupos de sociedade civil vêm chamando a atenção de tomadores de decisão e da opinião pública para um vilão em especial: o plástico. Das 145 mil toneladas de resíduos diários produzidos e descartados indevidamente na América Latina e Caribe, 11,7% representam lixo plástico. No Brasil, das 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos produzidas por ano, 13,5% são de plástico, de acordo com dados da SELURB (Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana). Isso faz com que o país seja um dos grandes campeões quando o assunto é polímeros: o país é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo com 11,3 milhões de toneladas de plástico por ano, indicando que a cada ano que passa, mais difícil fica reverter a situação.
“O lixo é uma narrativa sobre pequenos hábitos cotidianos de uma sociedade, é reflexo do que somos e do que temos”. Com isso em mente, contemos um pouco dos caminhos que levaram o Brasil a ser o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo.
Em 1936, surgiu primeiramente na Alemanha o poliestireno, material muito comum na confecção de copos plásticos e espumas. A descoberta do novo polímero soou como uma grande “revolução” para a história do plástico e para a indústria brasileira. A primeira fábrica de poliestireno no planeta foi fundada em 1949, em São Paulo: a Bakol S.A.
Em busca de modernidade, a chegada da indústria de resina termoplástica no país possibilitou a redução dos custos de produção, principalmente de bens manufaturados de consumo doméstico e pessoal, como sapatos, brinquedos e embalagens. As peças antes feitas de madeira, vidro, papel, etc. começaram a apresentar uma estética mais acessível, moderna, prática e barata.
De lá pra cá, vários setores do mercado nacional incorporaram o material plástico: nos anos de 1970, as garrafas retornáveis de vidro se tornaram ultrapassadas com a chegada das garrafinhas PET, e em 1975, por obra da Johnson & Johnson, famílias de todo o Brasil começaram a usar fraldas descartáveis em suas crianças. Somente o consumo desses dois produtos no Brasil já configura um cenário nada promissor na quantidade de resíduos produzidos no país. A “avalanche dos descartáveis” é concretizada na década de 1990, com o aumento das importações brasileiras de produtos de bens de consumo chineses. Produtos mais baratos possibilitaram o surgimento de um novo ramo de negócios muito popular no país: as “lojas de 1,99”, que apenas em 2013 movimentaram R$ 8 bilhões.
No Brasil, as perspectivas para a indústria de transformação de plástico crescem a cada ano. Se em 2007 a produção foi de R$ 36,98 bilhões de reais, esse número chegou a R$ 53,83 bilhões em 2011, de acordo com dados da ABIPLAST (Associação Brasileira da Indústria do Plástico). Em 2010, o setor chegou a empregar 346.610 trabalhadores, e foi considerado o “3º maior empregador da indústria de transformação brasileira, respondendo por 5% do total de empregos da indústria da transformação”, de acordo com a ABIPLAST. Em 2018 o crescimento da indústria foi de 0,8%, produzindo aproximadamente 6,17 milhões de toneladas de produtos transformados. A grande questão é que a quantidade de derivados de plástico produzida não é devidamente tratada, e eis aqui a fórmula para levar o Brasil a ocupar o quarto lugar mundial quando o assunto é lixo plástico.
Os números indicam que plástico no Brasil não passa de uma “conveniência descartável”: das 11,3 milhões de toneladas de resíduo plástico produzidas por ano, apenas 1,28%, equivalente a 145 mil toneladas, são de fato recicladas e reinseridas na cadeia produtiva, de acordo com a WWF, baseado em estudo do Banco Mundial. A média global de reciclagem de plástico é de pelo menos 9%. Os EUA seguem campeões de produção de lixo plástico (70,782 milhões); contudo, ainda têm uma taxa de reciclagem maior que a do Brasil: 34,60%. Do mesmo modo a China, com 21,92%. Isso significa que apesar de não sermos os primeiros na lista de poluidores, a quantidade de resíduos plásticos que dispersamos no ambiente praticamente não é reintroduzida na cadeia produtiva. Apesar de ser um problema global, a situação se agrava no Brasil, onde 2,4 milhões de toneladas de plásticos estão sendo descartadas de forma irregular e 7,7 milhões de toneladas acabam em aterros sanitários. Se o “lixo é uma narrativa sobre hábitos cotidianos de uma sociedade”, alguns números podem explicar como a tragédia brasileira começa a se formar. Segundo dados do IBOPE de 2018, 75% dos brasileiros não separam materiais recicláveis. Desses, 39% não separam lixo orgânico dos demais e 77% dos brasileiros sabem que o plástico é reciclável. O verão de 2018/2019 foi o recordista de animais mortos nas praias brasileiras, principalmente por ingestão de plástico. De acordo com o Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), se 10,5 milhões de toneladas brasileiras anuais de plástico fossem recicladas, seria possível retornar cerca de R$ 5,7 bilhões a economia: “Quase dez anos depois da criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o Brasil está aquém do que era esperado no combate ao lixo plástico”. Criada em 2010 a fim de reduzir o impacto de resíduos sólidos no meio ambiente, a PNRS determinou uma série de metas para gerenciamento ambiental a serem cumpridas em todo o território nacional. Mesmo assim, algumas cidades brasileiras começaram a agir por conta própria: em 2018 a cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a banir os canudinhos. Em cidades como Arraial do Cabo, no litoral fluminense, é proibido utilizar materiais de plástico na orla das praias. Em março de 2019 o Ministério do Meio Ambiente lançou o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar (PNCLM), como uma das metas de ação para os 100 dias do governo de Jair Bolsonaro. Muito se questionou se era interesse do Brasil também assinar a emenda da Convenção de Basileia (no contexto da COP-14) sobre o controle transfronteiriço de resíduos plásticos. A emenda foi assinada pelo Brasil em março de 2020 fazendo dessa questão algo urgente de se acompanhar. Os debates que envolvem desafios coletivos, como o problema do plástico, se tornam mais profundos quando a sociedade em questão não recebe de forma equânime os benefícios da democracia. Falar do problema do plástico é reconhecer a necessidade de fortalecer o debate sobre o acesso à água, ao saneamento básico, à coleta seletiva em todos os pontos das cidades, questões essenciais para a sobrevivência humana no planeta. O Brasil, com mais de 11 milhões de toneladas de lixo plástico por ano, fica cada vez mais distante da alcunha “gigante pela própria natureza”.