A nova cara da bancada ruralista

Brasília - Membros da bancada ruralista manifestam-se a favor da votação do novo Código Florestal
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Brasília - Membros da bancada ruralista manifestam-se a favor da votação do novo Código Florestal - Foto: Renato Araújo/ABr

Desde sua fundação, em 1995, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), faceta mais organizada daquilo que se convencionou chamar “bancada ruralista”, vem consolidando seu papel como o grupo mais poderoso do Congresso brasileiro.

Fiel da balança em votações importantes, respondendo por mais da metade dos votos que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, e ao arquivamento de duas denúncias de corrupção contra o ex-presidente Michel Temer, em 2017,[i] a FPA tem como signatários cerca de 40% da Câmara e um terço do Senado. Esses números fizeram o apoio formal da frente se tornar objeto de disputa entre os candidatos à presidência em 2018.

Mas enquanto recebia os candidatos na sede da entidade, em uma mansão no Lago Sul, em Brasília (DF), a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), então presidente da FPA, costurava uma aliança com Jair Bolsonaro (PSL), firmada ainda no primeiro turno, e que se tornaria decisiva para a vitória do candidato da extrema-direita. Em retribuição, Bolsonaro emplacou sete parlamentares ruralistas no alto escalão do governo, incluindo a própria Tereza Cristina, nomeada ministra da Agricultura, e outros quatro ministros: Onyx Lorenzoni (DEM-RS) na Casa Civil, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) na Saúde, Osmar Terra (MDB-RS) na Cidadania e Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG) no Turismo. [ii]

A proximidade com o governo também auxiliou na recomposição da FPA, vítima da taxa de renovação recorde registrada nas últimas eleições, que enxugou siglas tradicionalmente ligadas à bancada ruralista, como MDB, PP, DEM e PR. Dos 213 deputados que compunham o grupo, apenas 96 conseguiram se reeleger. No Senado, a frente perdeu 10 das 28 cadeiras que ocupava. Mas, em troca, recebeu um aporte generoso do PSL de Bolsonaro.

Dos 167 parlamentares que se filiaram à entidade em 2019, 25 pertencem ao partido do presidente, disparado o que mais engordou as fileiras da FPA.[iii] Entre eles, apenas as senadoras Soraya Thronicke (MS) e Selma Arruda (MT) e o deputado Nelson Barbudo (MT) – que se popularizou como youtuber ruralista[iv] – possuem uma ligação mais estreita com o setor agropecuário. O restante dos “bolsonaristas” inclui nomes ligados à bancada da bala, como Eduardo Bolsonaro (SP), Major Vitor Hugo (GO), Daniel Silveira (RJ), General Girão (RN) e Coronel Chrisóstomo (RO), além de personagens midiáticos, como a antiga líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann (SP), coordenadora para Política de Abastecimento da frente.

Os demais membros novos são da base governista: PSD (16), DEM (15), PP (14), PSDB (11), MDB (10), PRB (9) e PR (7). Os nanicos PSC, PTB e PMN entram com mais cinco parlamentares. Considerando também os deputados e senadores que mantiveram seus cargos na última eleição, o bloco de sustentação ao governo Bolsonaro corresponde a 71% da nova bancada ruralista.

No total, a Frente Parlamentar da Agropecuária conta agora com 257 signatários: 17 a mais em comparação ao ano passado. Na Câmara, os 225 deputados filiados à frente representam 44% da casa, incluindo o presidente Rodrigo Maia (DEM), que se filiou em 2019, embora esteja em seu sexto mandato como deputado. No Senado, os ruralistas detêm 32 das 81 cadeiras disponíveis.

A BANCADA DOS RURALISTAS “SEM TERRA”

A articulação direta com o Executivo, em especial com a ministra Tereza Cristina, também auxiliou na conquista de cargos-chave nas comissões permanentes, onde se discutem as propostas de lei que vão ao plenário da Câmara. Além da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), a FPA também comanda as comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), Finanças e Tributação (CFT), Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS) e de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA).

No Senado, os ruralistas encabeçam as comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Serviços de Infraestrutura (CI), além da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC), que reúne deputados e senadores para debater a execução da Política Nacional sobre Mudança do Clima.

A nova bancada ruralista também se destaca por um fator inusitado: poucos de seus membros declararam possuir imóveis rurais nas últimas eleições. Um levantamento inédito realizado pelo observatório De Olho nos Ruralistas, mapeando as terras de parlamentares, mostrou que metade da diretoria da FPA não declarou propriedades rurais à Justiça Eleitoral.[v] É o caso do presidente da frente, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que declarou apenas uma empresa do setor agropecuário, a Moreira Lopes. Seus bens, com estimativa declarada de R$ 2,7 milhões, incluem um terreno identificado como rural, de apenas 450 metros quadrados, um tamanho menor do que a grande área de um campo de futebol.

Ao todo, deputados, senadores e seus suplentes declararam 189 mil hectares, concentrados em grande parte na Amazônia Legal e na região do Matopiba (formado pelo estado do Tocantins e partes do Maranhão, Piauí e Bahia), principais eixos de expansão do agronegócio na última década e palco de acirrados conflitos fundiários.[vi]

Por outro lado, abundam empresas agropecuárias. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) é sócio, ao lado de sua mãe e suplente, Eliane Nogueira, da Ciro Nogueira Agropecuária. Chico Rodrigues (DEM-RR), senador que ficou conhecido por empregar Léo Índio, primo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, é sócio da San Sebastian, que tem a agropecuária entre suas atividades. O suplente Pedro Arthur, filho dele, também é sócio da empresa. A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) e o filho dela, senador Irajá Abreu (PSD-TO), são sócios da Aliança Agropecuária, empresa que também administra bens próprios.[vii]

Dos três maiores proprietários rurais do Congresso, apenas o senador Jayme Campos (DEM-MT), dono de 43,9 mil hectares no Mato Grosso, não declarou empresa rural. O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) declarou o Frigoari – Frigorífico de Ariquemes e o senador Marcelo Castro (MDB-PI), a Mangal Frutas Tropicais de Exportação.

OS FINANCIADORES OCULTOS DA BANCADA

Mas quem mantém a bancada ruralista, afinal? Constituída como uma entidade associativa, a Frente Parlamentar da Agropecuária não possui vínculo direto com financiadores. A verba destinada às atividades do grupo é repassada pelo Instituto Pensar Agropecuária (IPA), uma instituição que presta suporte técnico à FPA e que arrecada contribuições de 38 associações setoriais do agronegócio, que pagam uma mensalidade de pelo menos R$ 20 mil cada uma. Ou seja, R$ 760 mil no caixa por mês, no mínimo.[viii]

Essas associações, por sua vez, são mantidas por empresas multinacionais, incluindo 22 das 50 maiores companhias do agronegócio no Brasil, de acordo com a revista Forbes. Entre elas, está a alemã Bayer, líder mundial em sementes e pesticidas, que apoia cinco entidades que financiam o IPA, conforme mostrado no gráfico. A Monsanto, que pertence à Bayer desde 2018, contribui com três mantenedoras. A empresa produz o Roundup, um dos pesticidas mais usados no mundo e alvo de milhares de processos judiciais nos Estados Unidos por conta das suspeitas de causar câncer.

A produtora de químicos Basf dá suporte a quatro entidades, entre as quais o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). A Cargill, que processa e exporta grãos e está presente em 17 estados e em 191 municípios do Brasil, está entre as empresas que compõem a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan) – ambos apoiadores do IPA.

A lista de mantenedores indiretos da bancada ruralista inclui duas grandes multinacionais do tabaco, a Souza Cruz e a Philip Morris, ambas fiadoras da Associação Brasileira da Indústria do Fumo; corporações como Nestlé, Aurora e Danone, da Viva Lácteos; e o Grupo André Maggi, capitaneado pelo ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que ajuda a bancar a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (Aprass) – uma das associações que têm mais influência na FPA, ao lado da Aprosoja.

Além das gigantes do agronegócio, há importantes representantes do setor financeiro entre os integrantes da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), como Banco do Brasil, Santander e Itaú BBA. Fazem parte ainda dessa lista o Sicredi, a B3 (antiga Bovespa, bolsa de valores do Brasil) e o banco holandês Rabobank.

É importante destacar, por fim, que o vínculo das multinacionais com a bancada ruralista não se limita ao financiamento indireto. As mesmas associações também bancam a campanha Agrosaber,[ix] que busca melhorar a imagem do agronegócio brasileiro e pressionar pela aprovação do projeto de lei 6.299/02, conhecido como PL do Veneno, que pretende flexibilizar a regulamentação de agrotóxicos no Brasil. A Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (Abrass) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) fazem parte da campanha, promovida pela direção da Frente Parlamentar da Agropecuária.

Infográfico - Quem financia a bancada ruralista?