Comitê emite nota contra a extinção da RENCA: o Governo não tem como garantir mineração sem traumáticos impactos para os povos e o meio ambiente da região.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, rede composta por mais de 110 organizações, movimentos sociais, pesquisadores e igrejas vem a público denunciar que o anúncio do Governo Temer em conceder 120 dias para debates sobre o decreto que extinguiu a RENCA é apenas uma cortina de fumaça, de caráter temporário. Que não abre para a possibilidade da manutenção da RENCA e da intensificação das políticas de preservação ambiental e étnica na área.
Em nota na última quinta-feira (31), o Ministério de Minas e Energia afirmou que dará início a um amplo debate com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região. A nota deixa claro que serão discutidos os moldes de implementação dos projetos de mineração. Na prática, os 120 dias propostos pelo Ministério de Minas e Energia para discussões são uma tentativa de diminuir a pressão da opinião pública nacional e internacional sobre o caso, mas sem dar à sociedade o direito a decidir sobre o futuro da RENCA.
A manutenção dos efeitos do Decreto nº 9.147/2017, que extingue a RENCA, põe em risco a integridade das terras indígenas, das unidades de conservação e assentamentos rurais existentes na área da reserva. Fragiliza as funções ecológicas e serviços ambientais dessas áreas legalmente protegidas. Uma vez autorizados os processos de concessão, pesquisa e lavra mineraria na região, os danos serão enormes e irreversíveis, inclusive com a intensificação do desmatamento, da grilagem de terras e da violência sobre os povos tradicionais.
Não podemos aceitar que o Governo compactue ainda mais com os interesses das empresas e corporações minerarias, ávidas de lucro em prejuízo da vida.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração apoia a anulação definitiva e imediata do Decreto nº 9.147/2017 no desejo que seja impedida a liberação da RENCA para atividades minerárias por empresas privadas.
O Governo alega que será aberta para a constituição de direitos minerários e abertura de lavras uma área de máximo 30% da Reserva. Mas não tem condições de garantir que as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação sejam preservadas.
Os impactos da mineração não se restringem aos locais das lavras, como demonstram, por exemplo, as graves violações da mineração ao longo de todo o Corredor de Carajás e do vale do Rio Doce. Muitas estruturas de apoio, como vilas de trabalhadores e modais de transporte ocuparão a RENCA e atingirão seus habitantes e meio ambiente. Além disso, o Estado não tem capacidade de fiscalização nem em regiões de maior facilidade de acesso e disponibilidade de pessoal técnico e infraestrutura - o caso de Mariana (MG) é emblemático. Menor ainda será sua capacidade de monitoramento na Amazônia, sobretudo num contexto de contingenciamento de recursos públicos e desfinaciamento dos órgãos ambientais.
A Amazônia é vista pelas corporações de mineração como o Paraíso Fiscal das mineradoras, pois as empresas que exploram minérios naquele território têm largas isenções de impostos. E enquanto enchem seus cofres com o lucro da comercialização de metais valiosos, para a Amazônia fica o ônus de violações irreparáveis, provocadas por empreendimentos instalados frequentemente sem consulta aos habitantes.
Não há um projeto de mineração que tenha trazido melhoria à vida das populações na Amazônia. Pelo contrário, todos os municípios impactados pela extração mineral e sua logística sofrem drasticamente com uma migração descontrolada de populações de outros territórios - estrangulando a oferta de serviços básicos como saúde e educação e causando a médio prazo aumento de desemprego, violência, droga, alcoolismo e prostituição, além de impactos na oferta hídrica, na contaminação do solo e da água, em doenças causadas pela poluição e acidentes pelas precárias condições de trabalho.
A Constituição da República de 1988 assegurou, no artigo 225, o direito de todos ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. A proteção do meio ambiente é uma garantia ao direito fundamental multidimensional prevista na Constituição. Entre os princípios que regem os direitos fundamentais, tem-se o princípio do não retrocesso, segundo o qual o nível de promoção e proteção de um direito não admite diminuição ou enfraquecimento. Extinguir a RENCA e abri-la para empresas privadas é um retrocesso sem tamanho, pois o Estado não tem como garantir a possibilidade de mineração sem enormes impactos ao meio ambiente e às populações.
O Decreto também viola a Convenção OIT 169 - Da consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e população tradicional, pois sequer menciona no texto os povos indígenas, as comunidades agroextrativistas e os ribeirinhos que vivem na RENCA.
Além disso, a extinção da RENCA na Amazônia Legal viola diversos compromissos internacionais firmados pelo Brasil e causará a destruição em larga escala do ecossistema amazônico, com a maximização da exploração mineral em área preservada.
Desta forma, o Comitê defende a anulação definitiva do Decreto nº 9.147/2017, que extingue a RENCA, e alerta que a democracia só será respeitada se o diálogo com a sociedade nos 120 dias for sobre a manutenção da RENCA e não sobre os meios de exploração mineral por empresas privadas naquela região.
Brasília, 04 de setembro de 2017
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração