Legais ou ilegais? Remoções forçadas e reassentamentos à luz do Direito Internacional

O Brasil está em reforma. No rastro dos preparativos da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, as cidades brasileiras estão realizando numerosas grandes obras, principalmente construindo ou reformando estádios e ampliando a infraestrutura de trânsito, mas também os setores de turismo e imóvel. De acordo com estimativas da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop)  – não existem dados oficiais consolidados – até 250 mil pessoas foram/estão sendo atingidas pelas remoções forcadas e reassentamentos.

O direito à moradia foi ratificado pelo Brasil em diversos pactos e convenções da ONU, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, sobretudo, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc).

É principalmente com base no Pidesc, chamado de pacto social da ONU, que se pode responder a pergunta sobre se as medidas governamentais de remoções e/ou reassentamento, justificadas como imprescindíveis para realização das obras para a Copa e Olimpíadas estão sendo feitas dentro da lei ou se são despejos ilegais feitos à força, já que nem toda transferência de pessoas de uma habitação necessariamente fere o direito internacional. No artigo 11.1, os estados signatários reconhecem o direito a um padrão de vida adequado, incluindo alimentação suficiente, vestuário e moradia, bem como o direito de cada indivíduo à melhoria constante das condições de vida. O Brasil ratificou o documento em 24 de janeiro de 1992, comprometendo-se a respeitar e proteger o direito à moradia.

O direto à moradia abarca muito mais do que um lugar para morar com proteção adequada contra o mau tempo. Assim, nas notas explicativas do pacto social, além da qualidade adequada (acesso a água potável, fornecimento de energia e instalações sanitárias), a ONU ressalta a relevância das condições de infraestrutura do local da moradia. Em termos concretos, isso significa que instalações de saúde e educação como hospitais e escolas devem estar diretamente acessíveis, o tempo e o dinheiro gasto com transportes até o local de trabalho não pode sobrecarregar os orçamentos das famílias de baixa renda, o acesso a serviços públicos como transportes e vida cultural nas proximidades deve estar assegurados (ICESCR/GC4). E se os reassentamentos forem inevitáveis devido a fatores de risco agudo, as autoridades são obrigadas a informar os atingidos da intenção da remoção em tempo hábil (no mínimo três meses de antecedência) e integrá-los ativamente nas decisões relativas ao processo de transferência. Dessa forma, os moradores precisam ter todas as informações de forma transparente e devem ter a possibilidade de empregar meios jurídicos e receber assistência jurídica. No reassentamento, as autoridades precisam oferecer substitutos habitacionais apropriados, levando em conta as características de infraestrutura acima mencionadas, bem como uma compensação financeira adequada (CESCR/GC7).  O artigo11.1 do Pacto Social da ONU deixa claro que uma medida governamental de remoção e realojamento deve melhorar as condições de vida da população impactada. De forma alguma, as condições de vida podem ser piores. Se houver necessidade de remoção, esta não pode ocorrer com mau tempo ou à noite. Se essas condições não forem dadas em sua totalidade ou parcialmente, à luz do direito internacional, trata-se de uma remoção forcada.

No Brasil, os governos só cumpriram em parte este compromisso. De fato, nos realojamentos das populações  sempre foram agredidos vários direitos, principalmente o direito à moradia e o direito à informação. Por isso, as medidas de remoção e reassentamento feitas nos últimos anos nas cidades-sede da Copa do Mundo equivalem a remoções forçadas ilegais.

Quem paga o preço pelas novas estruturas ao redor das caras arenas esportivas no Brasil são principalmente os moradores das favelas. Pois, a maioria dos reassentamentos em massa atinge justamente áreas onde não há um status de posse bem definido. Na maioria dos casos, as pessoas não foram informadas a tempo e nem receberam qualquer tipo de indenização adequada. As autoridades exercem uma pressão considerável sobre as pessoas para que aceitem as remoções ou compensações inadequadas. Apontam para as condições precárias de posse ou se aproveitam do fato de que essas pessoas geralmente dispõem de pouca educação formal e são mal informadas sobre seus direitos. Muitas vezes, esses moradores acabam sendo transferidos para construções populares nas periferias, às vezes até 60 quilômetros distante da antiga moradia, sem acesso a transportes, sem o antigo ambiente social e cultural, sem opções de trabalho, sem escolas e hospitais próximos. Na prática, isso significa que as pessoas perdem seus empregos sem encontrar trabalho novo. Até as compras do dia a dia, a ida à escola, o atendimento à saúde estão se tornando um problema sem solução.