Mercosul e União Européia - Publicações

Tempo de leitura: 5 minutos

» Download


Dois fenômenos são comumente apontados como característicos da segunda

metade do século 20: a universalização e a internacionalização dos

direitos humanos e a globalização da economia. Os motivos, orientações

e medidas dos dois movimentos são diferentes, mas guardam semelhanças

entre si.

Tanto os direitos humanos quanto a globalização econômica instalam normas

jurídicas harmônicas no âmbito regional e universal. Nesse processo,

ambos obrigam os Estados-Nação a cederem parte de sua soberania através

de acordos e mecanismos de controle e de implementação

supranacionais. Para o movimento internacional de direitos humanos esta

relativização da soberania absoluta do Estado está baseada na idéia de

que a proteção aos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio do

Estado, já que se trata de um tema de legítimo interesse internacional, o

que torna o indivíduo um sujeito de direito na esfera internacional.

Os dois movimentos ocorrem no âmbito universal e regional. Enquanto os

direitos humanos, no âmbito universal, são protegidos através dos mecanismos

de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), a Organização

Mundial de Comércio (OMC) é um dos órgãos com influência sobre a

globalização econômica. Em nível regional existem os sistemas de proteção

aos direitos humanos: nas Américas, África e Europa; e também os

blocos regionais de comércio (União Européia, Mercosul, NAFTA, etc).

A universalização e a internacionalização dos direitos humanos, por um

lado, e a globalização econômica, por outro, são movidos por diferentes

atores, que seguem diferentes objetivos. As organizações de direitos humanos

lutam pelos cidadãos que não têm as condições políticas e econômicas

para uma vida digna.


A luta mundial para uma internacionalização dos direitos humanos favorece

a coordenação dos Estados-Nação ao “controle” dos órgãos intergovernamentais

(ONU, OEA, Corte Européia de Direitos Humanos) e ajudam

a garantir a proteção desses direitos nem sempre respeitada no âmbito

doméstico. Todavia o Estado continua a ser o principal responsável pela

garantia dos direitos humanos de seus cidadãos.


A implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais precisa de

um Estado que não apenas tenha recursos para proteger, promover e garantir

os direitos sociais básicos, mas que tenha vontade de implementálos.

Em contraposição, a desregulamentação e a flexibilização da economia

mundial têm avançado através das multinacionais, dos próprios estados e

de órgãos intergovernamentais, como a OMC, o Fundo Monetário Internacional

(FMI) e o Banco Mundial. Para estes atores, a garantia dos direitos

sociais básicos é um obstáculo para a função do mercado, a circulação

livre do capital e a competitividade internacional.

A relação tensa e contraditória entre a globalização econômica e o respeito

aos direitos humanos se reflete na política externa econômica dos países

líderes do poder econômico – os quais se consideram o berço da democracia

e dos direitos humanos – que exigem intensa consolidação da democracia

e dos direitos humanos na política internacional: os Estados Unidos

da América (EUA) e a União Européia.

A política externa dos EUA enfrenta – apesar de ter sustentado um discurso

favorável aos direitos humanos e à democracia desde o fim da década

de 1970 – cada vez mais críticas. Ao lado das marcantes falhas no âmbito

dos direitos humanos no próprio país, os EUA também são acusados de

ter pouca disposição para se submeter aos mecanismos de controle internacional

dos direitos humanos e demonstra desprezo pelos direitos econômicos

e sociais.

Nesse contexto, a União Européia tenta vender a própria política externa

comercial para os outros países como uma alternativa melhor e mais suave.

Quer passar a imagem de um organismo que se interessa por manter

um diálogo político, incluindo a questão dos direitos humanos. A União 
Européia acredita que seus Países-membro demonstram um alto nível de respeito 
pelos direitos humanos no âmbito interno e há alguns anos vêm

tentando provar que tratam dessas questões de forma concreta em sua política externa.


Ao lado do apoio financeiro a projetos de direitos humanos em outros países,

há um compromisso da UE de proteção e promoção de direitos humanos

na área da política de desenvolvimento. Segundo os governantes

dos países da União Européia, a implementação da cláusula democrática

e de direitos humanos nos acordos de cooperação e associação tem recebido

cada vez mais importância.

Essa cláusula obriga os contratantes a respeitar os direitos humanos na

cooperação política e econômica. Para a sociedade civil do Cone Sul, a

cláusula democrática e de direitos humanos pode oferecer, junto com os

instrumentos da OEA e da ONU, mais uma ferramenta (política) para se

engajar na promoção dos direitos humanos no campo internacional.

O estudo político e jurídico da cláusula democrática e de direitos humanos

estão no centro das observações desse caderno. Serão apresentadas as

possibilidades, bem como os limites e deficiências dessa cláusula, além

do conjunto que o sistema europeu de direitos humanos ofereceria para as

vítimas de direitos humanos no Mercosul. Serão apresentados também os

avanços e os desafios políticos dos movimentos de direitos humanos europeus

e latino-americanos a respeito dos impactos negativos do livre comércio

sobre os direitos econômicos, sociais e culturais.


Rio de Janeiro, setembro de 2005.

Sven Hilbig

Centro de Justiça Global

Para a Plataforma DhESC Brasil