Direitos Humanos

April 4, 2011
Por Ana Carollina Leitão


Por Ana Carollina Leitão



A sociedade civil se fortaleceu ou ficou enfraquecida depois de oito anos de governo Lula? E quais as lições aprendidas para as novas relações com a presidenta Dilma Rousseff? Estas foram as questões norteadoras do seminário “A Sociedade Civil e o Governo Lula: da Paixão ao Desencanto?”, realizado pela Fundação Heinrich Böll em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), na Câmara dos Deputados, no dia 29 de março.

Durante o evento, que reuniu representantes de organizações não governamentais, integrantes da gestão Lula e membros da atual equipe de Dilma Rousseff, a Fundação lançou a publicação “‘Nunca Antes na História desse País’...? Um Balanço das Políticas do Governo Lula”.

 

Concessões ao capital e políticas sociais

O apoio dos movimentos sociais à chegada de Lula à Presidência da República rendeu à sociedade civil uma participação inédita na nova gestão, principalmente no primeiro mandato. Com os seus melhores quadros migrando para Brasília, ONGs e movimentos sociais ficaram enfraquecidos enquanto muitos dos ex-militantes se desapontaram no governo.

Os palestrantes reconheceram as conquistas em relação às pautas da sociedade civil, mas também apontaram retrocessos. Marijane Lisboa, ex-integrante da equipe do Ministério do Meio Ambiente na gestão de Marina Silva; Paula Lima, ex-coordenadora do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3); Lucia Nader, diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos; e Selvino Heck, assessor especial da Presidência da República na atual gestão e membro do governo Lula durante os dois anos de mandato, avaliaram o período.

Os limites impostos pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo país e o papel da sociedade civil frente à realidade ditada pelo capitalismo nortearam o debate. A gestão de Lula foi avaliada como um equilíbrio de forças antagônicas, sustentado por concessões a cada um dos lados: social e econômico. Para Heck, o governo se destacou pela criação de políticas públicas democráticas. Mas admitiu que os avanços poderiam ter sido maiores:

- Não foi uma paixão desmedida nem um desencanto geral. As contradições do sistema capitalista e as amplas alianças feitas para garantir a governabilidade institucional impediram que o governo Lula avançasse na questão ambiental e colocasse em prática um projeto de desenvolvimento com transformações mais estruturantes.

Para Marijane Lisboa, o saldo da política socioambiental foi negativo, com efeitos que só serão percebidos no longo prazo. Por isso, ela defendeu uma relativização dos resultados das ações de combate à pobreza que marcaram a gestão Lula:

- A pobreza foi gerada o tempo todo na medida em que populações foram expulsas do campo, a reforma agrária não foi feita e o agronegócio prevaleceu sobre a agricultura ecológica. Mas, como isso não aparece à primeira vista, são vistos apenas os grandes avanços em políticas sociais que, apesar de realmente terem acontecido, não estão acoplados a um projeto social que privilegie a qualidade de vida da população.

A ex-integrante do Ministério do Meio Ambiente ainda analisou que escolhas políticas e econômicas estiveram acima do aspecto social:

- A política ambiental do governo Lula só pode ser explicada por duas razões. Primeira: há uma concepção de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico. Com esse pensamento hegemônico, parece completamente absurdo alegarmos que há indígenas, ribeirinhos e quilombolas que serão prejudicados. Segunda: o próprio jogo político. Constituir uma base parlamentar majoritária significou atrair o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], compactuando com políticas da bancada ruralista e dos setores do agronegócio. Para cada um dos incluídos pelo Bolsa Família, aumento do salário mínimo e acesso ao crédito, houve muitos excluídos, como populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos.

No âmbito dos direitos humanos, Paula Lima analisou os embates políticos da área como resultado de uma decisão do governo de envolver a sociedade civil na construção do PNDH-3, o que teria fortalecido organizações não governamentais e movimentos sociais. Sob o ponto de vista da política externa, Lucia Nader reconheceu que o país ganhou destaque no cenário internacional, mas apontou como problemático o que chamou de “limite tênue” entre diálogo e apoio a violadores de direitos humanos, como Irã e Líbia:

- Na hora de aumentar o ônus político do grande violador de direitos humanos é que você decide se aperta a mão do Ahmadinejad [presidente do Irã] ou se você o abraça.

 

Sociedade civil e novo governo

Na segunda mesa, Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase); Nalu Faria, diretora da Sempreviva Organização Feminista (SOF); Pedro Pontual, diretor de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República; e Luiza Erundina, deputada federal (PSB-SP), debateram os desafios da gestão Dilma Rousseff e o atual papel da sociedade civil.

Pedro Pontual destacou a participação social como uma das diretrizes do atual governo. A presença de Gilberto Carvalho no cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República seria um indicativo da vontade da presidenta Dilma de ouvir as demandas da sociedade civil. De acordo com ele, até o final do mandato, o governo pretende avançar bastante na criação de um sistema nacional de participação social que articule conselhos, conferências e ouvidorias em uma dimensão federativa.

O momento é de consolidação das ferramentas desenvolvidas e ampliadas durante a gestão Lula, segundo Pontual. Ele explicou que a ideia é conceber a participação social como método de governo, presente no conjunto dos programas. Isso incluiria o debate com a população sobre as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Minha Casa, Minha Vida, programa de habitação do governo federal, por exemplo. Perguntado sobre a polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, Pará, disse que o caminho adotado será o do diálogo e da participação da sociedade civil, mencionando a criação de comitês gestores.

Na análise de Cândido Grzybowski, o governo de Dilma Rousseff será mais desenvolvimentista que a gestão anterior. Estruturalmente, seu projeto poderá assemelhar-se ao modelo seguido durante o regime militar, iniciado no período do presidente Geisel. Para ele, um dos desafios desse novo momento é transformar em sujeitos políticos os incluídos pelas ações de combate à pobreza da gestão Lula. Em sua opinião, apesar de ninguém poder ser contra a melhora da renda da população em um país tão desigual, é fundamental que os avanços sejam traduzidos em políticas públicas. Por isso, defendeu uma mudança nos movimentos e organizações da sociedade civil que torne possível a radicalização da democracia.

- Em última análise, mudanças para valer são no Estado ou na economia, dependem de nós e sempre acontecem com gente na rua. Nós temos que mudar para mudar essa economia. Falta uma busca efetiva de propostas de políticas para quebrar a lógica geradora e amplificadora que dá origem às desigualdades sociais – afirmou o diretor do Ibase.

Na área de políticas para mulheres, Nalu Faria destacou a questão do aborto como uma das principais pautas do movimento feminista na gestão Dilma. A disputa eleitoral em 2010 mostrou o poder de pressão de setores conservadores da sociedade. Ela apontou o tema como um dos elementos fundamentais para a discussão sobre o patriarcado na sociedade brasileira e a emancipação, igualdade e liberdade para as mulheres, ressaltando que as feministas estão bastante sozinhas na defesa da legalização do aborto.

Apesar de emblemática, a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República não pode ser entendida como indicativo da emancipação das mulheres ou maiores avanços de seu protagonismo político, segundo a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). Em sua opinião, tal vitória não pode ser considerada uma conquista da luta feminista porque as mulheres ainda não chegaram a espaços de poder que devem ocupar. De acordo com ela, menos de 9% da Câmara dos Deputados é composta por deputadas enquanto, na Argentina, 40% do parlamento é feminino.

Em sua análise sobre a participação popular durante os oito anos de governo, Luiza Erundina afirmou que o carisma e a história de vida de Lula, além de sua proximidade com a sociedade civil, contribuíram para o esvaziamento dos movimentos sociais e populares, incluindo até os mais combativos.  Para ela, o prejuízo disso foi a dependência cada vez maior do governo em relação à base parlamentar.

Por isso, a deputada federal foi firme ao dizer que Dilma terá que dialogar com movimentos sociais e ONGs se quiser superar as dificuldades com o parlamento.  Para ela, a presidenta deverá tornar esses setores protagonistas da relação entre povo e governo.

- Interessa tanto ao governo quanto aos movimentos [sociais] que atuem como sujeitos políticos autônomos e independentes na construção de um mesmo projeto que começou com Lula, mas avançará ainda mais com o protagonismo da sociedade civil organizada e setores populares, os quais precisam ser atores desse novo governo que começa agora – concluiu Luiza Erundina.