Os evangélicos e as eleições municipais

Em vários estados brasileiros os grupos evangélicos jogaram um importante papel nas últimas eleições municipais. Só o pastor Silas Malafaia[1], da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, alega que apoiou 40 candidatos vencedores em todo o país. No Rio de Janeiro, seu candidato a vereador foi o oitavo mais votado. Em que pese o fato de que alguns dos vencedores receberam apoio de outros setores da sociedade, Malafaia é um dos muitos protagonistas do mundo neopentecostal que tiveram sua influência política ampliada a partir de sua prediga religiosa, das centenas de templos espalhados pelo país e de programas de TV transmitidos por canais de tevê aberta. Essas lideranças sustentam um projeto claro de presença e influência no cenário político, ao qual outro exemplo é a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que elegeu três vereadores no Rio de Janeiro.

Os eleitos representam os interesses do seu grupo político, assim como a maioria daqueles que estão nas casas legislativas. Mas onde estão os interesses dos grupos neopentecostais? Em geral voltados para as discussões ligadas às concessões de rádio e TV e ao direito à comunicação; nas comissões legislativas sobre o tema podem ser vistos facilmente. Outro foco são questões de cunho “moral” como o aborto e a criminalização da homofobia. Além disso, há exemplos de alianças com outras bancadas como a ruralista, quando da votação do Código Florestal, na velha máxima de “uma mão lava outra”.

Nas eleições de São Paulo, o tema da religião também foi uma clivagem importante para o entendimento das configurações de poder. Celso Russomano, apoiado pela IURD, teve uma subida meteórica, na qual um dos ingredientes foi a sua candidatura pertencer ao PRB (Partido Republicano Brasileiro), conhecido como o “Partido da IURD”. Nesse cenário, até mesmo a Igreja Católica engajou-se abertamente nas eleições. A Arquidiocese de São Paulo publicou uma nota sobre um artigo de 2011 de Marcos Pereira, presidente do PRB, que criticava o então ministro Fernando Haddad acerca do “kit-gay”[2] e declarava a Igreja Católica como apoiadora do projeto do Ministério da Educação. Além disso, o arcebispo de São Paulo, D. Odilo Scherer, orientou padres a recomendarem para que seus fiéis não votassem em Celso Russomano. Já José Serra, recebia o apoio do pastor Malafaia e de setores da Igreja Católica. Gabriel Chalita, candidato do PMDB, também declarava seu pertencimento religioso à Igreja Católica, com engajamento na Renovação Carismática. Ao fim da eleição, Celso Russomano ficou em 3º lugar e Fernando Haddad, do PT, foi vencedor.

Se a presença da religião e de setores religiosos na política não é fato novo, então por que pesquisadores, jornalistas e analistas políticos estão se debruçando sobre o tema tão avidamente? Um dos componentes desse interesse diz respeito à entrada dos neopentecostais na política, ou seja, igrejas que estão traçando projetos políticos, e no caso da IURD até mesmo um partido, que na atual legislatura conta com oito deputados federais e um senador, voltadas para a defesa de seus interesses dentro do Parlamento, com implicações, obviamente, no Executivo e nas políticas públicas. As mudanças do campo religioso com a entrada desses atores atingiram, sobretudo, a Igreja Católica e as religiões de matriz africana. De acordo com dom Fernando Figueiredo[3], bispo responsável pelo Santuário do Terço Bizantino, do padre Marcelo Rossi, nunca houve tal engajamento eleitoral da Igreja Católica, em especial na eleição municipal paulistana. Esses fatores podem indicar que nos próximos anos a conexão entre políticos e religião se solidificará e também será uma clivagem importante para eleitores e partidos.

 

* Coordenadora de Programas e Projetos de Direitos Humanos da Fundação Heinrich Böll Brasil.

 

Imagem: Felipe Max – http://www.flickr.com/photos/felipemaxfotografia/6471427583/

 

[2]O “kit-gay”, como ficou conhecido, era um material educativo composto por vídeos, cartilhas e DVDs criado em 2011 pelo Ministério da Educação e direcionado a uma campanha contra a homofobia nas escolas de ensino fundamental. O material foi suspenso devido à pressão dos grupos religiosos.