As favelas e a segurança pública no Rio de Janeiro

 

Qual será o futuro dos moradores das comunidades ocupadas pelas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora)? Essa foi a grande questão levantada pelos participantes do seminário “O futuro das UPPs – Uma política para todos?”, resultado de uma parceria entre a Fundação Heinrich Böll e o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), que reuniu um público de 200 pessoas, muitas delas moradoras de favelas do Rio de Janeiro, no dia 24 de novembro.
A principal ideia do debate, que contou com a presença do secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Ricardo Henriques, do sociólogo e professor Luiz Antonio Machado (Iesp/UERJ e IFCS/UFRJ), e das líderes comunitárias Mônica Francisco (Borel) e Cleonice Dias (Cidade de Deus), era discutir os desafios e limites das UPPs e a viabilidade da UPP Social, mas o que se viu foi uma preocupação com uma real política pública de segurança. Isso porque, apesar de o governo do Estado do Rio ter as Unidades de Polícia Pacificadora como a grande marca da sua gestão de segurança pública, para muitos dos presentes, inclusive os palestrantes, elas ainda são “apenas” um passo para uma política de segurança abrangente.
Uma das principais críticas feitas às UPPs é que, por terem surgido a partir de uma necessidade imediata - a de conter a violência no Estado do Rio - , elas foram impostas de cima para baixo, sem que tivesse havido um processo de consulta pública consistente, explicou Itamar Silva, do Ibase.
Além disso, outra preocupação dos moradores das favelas e também de acadêmicos que têm se dedicado a estudar as UPPs, é com relação ao risco de elas se tornarem milícias no futuro. “Nossa preocupação maior não é com o futuro das UPPs, mas com o futuro dos moradores onde estão as UPPs”, afirmou o rapper Fiel, morador do Santa Marta, favela da zona sul do Rio. “Até a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016, nós teremos uma cidade focada em controlar qualquer coisa que ameace esses projetos. E depois? Que cidade teremos? Qual o futuro das pessoas das comunidades?”, também questionou Itamar.
A verdade é que a violência no Rio de Janeiro não está só nas favelas, ao passo que as UPPs são um programa voltado exclusivamente para as comunidades. É necessário que se construa uma política de segurança para todo o Estado. Além disso, as unidades pacificadoras são numericamente insustentáveis: Se for levado adiante o plano do governo de implantá-las em 165 favelas nos próximos quatro anos, é provável que não haja policiais suficientes.
A questão do controle também foi levantada no debate. Muitos moradores reclamaram que saíram do domínio das armas do tráfico para se submeter ao controle, ainda que velado, dos policiais das UPPs, quando a ideia original era que, com elas, as pessoas recuperassem o direito de ir e vir sem ter que pedir licença aos traficantes. Muitos são os relatos da necessidade de justificar a saída e entrada na comunidade. “Todos querem que esse projeto dê certo, mas não queremos a opressão. Queremos entrar e sair de casa sem ter que explicar que somos moradores, trabalhadores, estudantes... Também queremos o direito de poder criticar sem que nosso discurso seja desqualificado. Qualquer crítica que fazemos é visto como 'saudade do antigo regime, do domínio do tráfico, dos antigos batalhões da PM'”, disse Mônica.
Palestrantes e público presente fizeram coro à afirmação da líder comunitária. “É claro que é bom não acordar com o Caveirão ou com tiroteio. Isso é um avanço, sem dúvida, mas não podemos nos contentar só com isso”, disse um morador de comunidade ocupada presente no seminário.
O medo e a desconfiança são sentimentos legítimos para uma população que sempre viveu a criminalização da pobreza. Para Itamar, é importante ter em mente que ainda que os policiais selecionados para ocupar pacificamente as favelas sejam recém-formados e teoricamente livres de vícios, eles foram 'formados', assim como a sociedade de uma maneira geral, vendo a favela cuja gente é desprovida de direitos, cuja gente não precisa ter seus direitos respeitados.
E é justamente para tentar melhorar a relação do Estado com essa parcela da população que o governo estadual vem investindo no Projeto UPP Social, que tem como base programas sociais, culturais, ambientais e de desenvolvimento nas comunidades pacificadas (numa parceria com a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, com a iniciativa privada e sociedade civil). Regularização fundiária, formalização do comércio e saneamento básico são algumas das ações que já vêm sendo realizadas em algumas favelas.
Cleonice Dias concorda que o caminho das UPPs Sociais é o mais viável para que “o direito à cidade se estenda a todos, sem que as comunidades sejam excluídas ou sofram com remoções”. Para ela, é fundamental que o governo providencie educação de qualidade, saúde e cultura para esses territórios. “Os moradores têm que ser os protagonistas de uma política pública, não os bandidos”, afirmou.
Para Ricardo Henriques, o passo essencial para que a UPP Social seja bem sucedida diz respeito à articulação das demandas dos territórios em questão com os serviços públicos. Segundo ele, haverá uma extensa consulta técnica para atender as reais necessidades de cada comunidade, uma vez que cada uma tem suas particularidades. Ele admite ainda que é preciso qualificar a oferta de serviços públicos: “Ela é muito fraca hoje em dia por conta de fatores como a fragmentação dos programas e políticas públicas; da sobreposição de ações e programas em determinadas regiões e que acabam por deixar espaços vazios em outras; da descontinuidade desses programas e do isolacionismo setorial.”
Luiz Antonio Machado também é um defensor da UPP Social. Para ele, ainda que a pacificação das favelas tenham contribuído sensivelmente para a diminuição da percepção de medo não só nas comunidades afetadas mas na sociedade de uma maneira geral - gerada principalmente pela redução da exposição de armas pesadas no dia-a-dia da população - , as UPPs não são, na prática, uma política pública. “Ao passo que a UPP Social, se bem conduzida, pode sim virar uma política pública efetiva”, declarou em sua exposição.
Os palestrantes presentes no debate foram unânimes em admitir que há uma boa vontade de quem está construindo a UPP Social. Boa vontade esta que vem de vários setores: ONGs, movimentos sociais, líderes comunitários, academia, governo, etc. No entanto, na opinião da líder comunitária do Borel, ainda falta qualificar o diálogo entre essas várias vozes. “É preciso que se dialogue à exaustão, pois se trata de um processo novo que tem que ser construído aos poucos. E está nas nossas mãos contribuir para a qualificação desse debate e contribuir para que dê certo. Ainda temos muito trabalho pela frente.”