COP 10 – Um balanço final

Tempo de leitura: 6 minutos
Image removed.

 

O temido “fracasso de Copenhague”, onde se deu a 15a Conferência das Partes da Convenção do Clima, em dezembro de 2009, felizmente não se repetiu em Nagoya, no Japão, com a COP 10 (Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica): o Protocolo de ABS (Regime de Acesso e Repartição de Benefícios) finalmente saiu do papel depois de longos anos de negociação, e uma moratória contra projetos de geoengenharia foi firmada. No entanto, as notícias não são todas positivas: o mesmo Protocolo só deverá funcionar efetivamente a partir de 2020, as metas para redução da biodiversidade foram pouco ambiciosas e os mecanismos de financiamento ainda estão pendentes.
A moratória contra projetos de geoengenharia foi obtida com o extraordinário consenso dos 193 membros da CDB (Convenção da Diversidade Biológica). “Segundo o texto final, todo e qualquer experimento, seja ele público ou privado, com a intenção de manipular o “termostato” global será considerado uma violação da Convenção”, afirmou Silvia Ribeiro, diretora para América Latina da ONG canadense ETC Group. O acordo, alcançado durante a fase ministerial da Conferência, pede aos governos que garantam que nenhuma atividade desse tipo seja permitida até que todos os riscos ao meio ambiente e à biodiversidade, assim como seus impactos culturais e socioeconômicos sejam intensamente avaliados.
A preocupação com projetos de geoengenharia (que vão desde a fertilização de oceanos até medidas para bloquear a radiação solar através de intervenções na atmosfera e com isso alterar a temperatura global e os níveis de precipitação na Terra) tem aumentado desde que estudos sobre o aquecimento global passaram a ser divulgados com maior frequência e ideias desse tipo começaram a aparecer . A medida foi considerada uma importante vitória em favor do princípio da precaução.
Com relação ao Protocolo de ABS, um dos três grandes objetivos desta última COP (os outros dois são conservação e uso sustentável da biodiversidade, para os quais foram assinados os documentos denominados Plano Estratégico e Mecanismos Financeiros), esse é o primeiro documento a tratar, ainda que a grosso modo, do pagamento pelo uso dos recursos genéticos provenientes da biodiversidade.
Depois de muitas discussões (algumas delas a portas fechadas, o que foi uma novidade nesta COP, uma vez que as negociações sobre ABS sempre foram bastante abertas inclusive para as reivindicações da sociedade civil), a necessidade de Consulta e Consentimento Prévio (PIC - Previous Informed Consent) das comunidades e/ou países acessados, e o reconhecimento financeiro pelo conhecimento tradicional associado foram incluídos no documento final, assim como o reconhecimento da Declaração das Nações Unidas Sobre o Direito dos Povos Indígenas.
A má notícia é que, apesar de os países terem que assinar o Protocolo a partir de 2011, os pagamentos só deverão começar em 2020 (o Brasil, país bastante interessado na efetivação do mecanismo, fez um apelo para que essa data seja antecipada para 2015, mas essa decisão ficou pendente para a próxima COP, em 2012, na Índia). Outro porém diz respeito às regras sobre os pagamentos, assim como as formas de verificação do funcionamento do mecanismo, que também ficaram para 2012.
Representantes dos povos tradicionais presentes em Nagoya avaliaram como uma grande derrota o fato de o mecanismo só passar a valer de fato a partir de 2020, uma vez que para eles, boa parte do conhecimento tradicional já está (e até lá isso só irá aumentar) em “bibliotecas” e não mais nas mãos dos povos. “O consentimento prévio desse conhecimento já não é possível”,a firmou Fernanda Kaigang, indígena brasileira que acompanhou o tema durante a COP 10.
A aprovação do Plano Estratégico também foi comemorada, apesar de ter fixado metas pouco ambiciosas. Até 2020, os países terão que transformar em áreas protegidas 17% das áreas terrestres (atualmente esse percentual é de 13%) e 10% das áreas marinhas e costeiras (hoje é de pouco mais de 1%). Também a redução do desmatamento foi fixada em 50% em nível global, especialmente nas regiões de floresta tropical.
Além disso, foi incluída no documento a visão do valor econômico da biodiversidade, o que foi avaliado de forma bastante negativa por ONGs e movimentos sociais, que já criticavam o caráter de mercado adquirido pela CDB em Nagoya, a exemplo do que já acontece com a Conferência do Clima. Por outro lado, o Plano Estratégico prevê a redução de subsídios destinados a atividades consideradas prejudiciais e degradantes da biodiversidade.
Outra negociação complicada foi a que levou em conta os mecanismos financeiros, necessários para a implementação das medidas previstas no Plano Estratégico e também no Protocolo de ABS. O sentimento comum a muitos países (principalmente os desenvolvidos) era de que os mecanismos tradicionais (como os advindos do Banco Mundial e de acordos bilaterais entre países, por exemplo) não seriam suficientes para dar conta da demanda total da CDB. Foi incluída, então, uma menção para o desenvolvimento dos chamados “mecanismos inovadores de financiamento”, que incluem o mercado de carbono, de florestas (REDD Plus – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação e Conservação), de biodiversidade (TEEB – Estudo sobre a Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, na sigla em inglês), etc.
A inclusão desses mecanismos de mercado é amplamente criticada por ONGs e movimentos sociais, que consideram um erro contar com o mercado não só para reduzir a perda de biodiversidade como também como forma de garantir o respeito aos direitos dos povos e populações tradicionais e locais, além de permitir que empresas e países industrializados continuem emitindo gases poluentes e destruindo ecossistemas, desde que contribuam com a manutenção de áreas naturais em outros países..
Para eles, ao defender uma abordagem econômica da biodiversidade, a Convenção deixa de levar em conta outros valores intrínsecos à biodiversidade, como os valores cultural, econômico e espiritual, e deixa de priorizar o entendimento de que a conservação da biodiversidade também se realiza através da garantia do direito à terra e território, ao livre uso da biodiversidade pelos povos, comunidades locais, agricultores familiares camponeses.
De qualquer forma, ficou decidido que até 2012 os países finalizem um plano de financiamento claro e efetivo para o restante da década.