Nagoya corre o risco de virar uma nova Copenhague

Ao se aproximar do seus últimos dias, a COP 10 (10a Conferência das Partes da Conferência da Diversidade Biológica da ONU) parece sofrer com os ecos da última conferência da Convenção do Clima, ocorrida em Copenhague (Dinamarca), em dezembro de 2009. Observadores e muitos integrantes das delegações dos países signatários da CDB (Conferência da Diversidade Biológica) estão preocupados com a possibilidade de um fracasso nas principais negociações, que são as relacionadas à definição de um protocolo de Acesso e Repartição de Benefícios (ABS, na sigla em inglês) que seja realmente eficiente no combate à biopirataria; à implementação de um Plano Estratégico que inclua metas capazes de gerar a perda da biodiversidade; e ao acordo relacionado a um novo mecanismo de financiamento robusto com capacidade de prover recursos para que essas ações possam ser realizadas.

Ainda que esses três principais impasses sejam definidos, existe ainda o temor de que os resultados da Conferência sejam fracos e incapazes de realmente atacar o problema da perda da biodiversidade de uma maneira geral, uma vez que os processos de decisões dessa COP estão muito permeados por interesses corporativos.
O resultado da pressão que as empresas têm exercido na conferência já começa a aparecer e diz respeito a uma perda que parece difícil de ser recuperada: se trata da questão da definição de florestas, cujo compromisso de avançar em “melhores definições de florestas” a CDB havia assumido. Em vez disso, no texto sobre mudanças climáticas foi adotada uma linguagem mais branda que fala apenas em “colaborar” com a revisão dessa nomenclatura. Isso significa que muitas das referências sobre a necessidade de se plantar árvores nativas (e não monoculturas de árvores) como forma de evitar a transformação de ecossistemas fundamentais para o bom funcionamento da biodiversidade, apesar de importantes, podem simplesmente ser apagadas durante as tensas e polarizadas negociações que vêm acontecendo nesse grupo de trabalho.
O Brasil tem atuado de forma distinta dentro de cada tema. Em alguns aparece como “bloqueador” e em outros como “facilitador” das negociações. Com relação aos três principais objetivos desta COP, o país adotou uma estratégia de condicionar a aprovação do protocolo de ABS à do plano estratégico e ao de financiamento. Isso porque, segundo informações da diplomacia brasileira, não se pode deixar de ter um protocolo que há vinte anos tenta ser criado, claro, e é preciso sim que se tenha um plano estratégico com compromissos ambiciosos, mas desde ambos estejam atrelados à garantia de financiamentos e transferência de tecnologia por parte dos países ricos.
Tratando apenas de ABS, a posição brasileira tem tido relativo apoio apoio de boa parte da sociedade civil mais crítica e também de outros países em desenvolvimento, como os africanos e os do GRULAC (Grupo de Países da América Latina e Caribe). A negociação do mecanismo tem sido uma das mais difíceis. A arquitetura do acordo, a forma como ele vai funcionar, já está definida, porém o texto que está sendo trabalhado e que foi entregue aos ministros no início do High Level Segment ainda tem muitos colchetes (que significam falta de consenso entre os países). O esforço para resolver os pontos de divergência tem sido grande, porém, por conta de enormes interesses econômicos que envolvem o tema, a pressão feita principalmente por países da União Europeia (em especial, a Alemanha), dos EUA (ainda que país não-parte da CDB, mas que tem atuado influenciado outras delegações) e pela indústria farmacêutica tem emperrado as negociações.
Com relação ao plano estratégico, a proposta brasileira de reduzir apenas 50% da taxa de desmatamento atual é considerada tímida demais. Soma-se a isso o fato de o país ter cumprido apenas duas das 51 metas nacionais de proteção da biodiversidade.
No entanto, há ainda algumas boas perspectivas: uma moratória para a geoengenharia está prestes a ser adotada; algumas das principais recomendações da sociedade civil sobre a produção de agrocombustíveis estão sendo discutidas à exaustão (como salvaguardas e o princípio da precaução) e a preocupação sobre os possíveis impactos de ações de mitigação dos efeitos das mudanças climática na biodiversidade e sobre as populações tradicionais está presente nos discursos de muitos negociadores. Também os direitos dos povos indígenas e comunidades locais são mencionados em praticamente todos os esboços dos documentos oficiais, uma estratégia de gênero foi adotada e há ainda um plano que procura conectar as tentativas de erradicação da pobreza com a conservação da biodiversidade. Diante disso, ainda há esperança que essa COP não repita o fracasso de Copenhague.