O que é política verde hoje?

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Marina Silva, pré-candidata do PV

 

“Nós vamos ter que continuar apostando em uma energia limpa, mas não utilizando a energia nuclear e não apostando apenas em hidroeletricidade. Hidroeletricidade é importante, mas precisamos apostar em outras alternativas.”

Essa foi uma das declarações da senadora Marina Silva, pré-candidata do PV à Presidência da República, durante um encontro com a deputada federal do Partido Verde alemão, Bärbel Höhn, e com a diretora da Fundação Heinrich Böll em Berlim, Barbara Unmüssig. O encontro aconteceu no dia 12 de abril, momentos antes da abertura da Conferência “O que é política verde hoje?”, organizada pela Fundação em comemoração aos seus 10 anos no Brasil. A conversa girou em torno de questões sobre meio ambiente e sustentabilidade e, obviamente, sobre a pré-candidatura da senadora.
Leia abaixo os principais trechos do encontro.

Bärbel Höhn: Nós estamos lutando em países diferentes e de maneiras diferentes pelas mesmas causas, pela preservação das florestas e contra as mudanças climáticas. Para nós é especialmente satisfatório ter uma mulher como candidata e à frente dessa agenda. Porém, estamos curiosos do que seria exatamente uma agenda ambiental num país como o Brasil. O que pode ser feito?

Marina Silva: Fico muito contente com esse apoio vindo da Alemanha que, desde a origem do Partido Verde no Brasil, tem sido um importante parceiro. Não tenho dúvidas de que a luta que temos aqui no Brasil se integre à luta dos Verdes em todos os outros países. Hoje é impossível pensarmos em qualquer ação isolada porque a luta para a redução de CO2 tem que acontecer em todos os lugares.
Quando estava no Ministério do Meio Ambiente, trabalhei muito para mudar a posição do governo brasileiro, e mesmo depois que saí, porque o Brasil não queria se comprometer com metas, achando que só os países desenvolvidos deveriam se comprometer dessa forma. Eu sempre dizia que nós não podíamos nos esconder atrás do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, como se responsabilidades diferenciadas não representassem responsabilidades.
Até quatro meses antes de irmos para Copenhague, o Brasil era contrário a ter metas, inclusive o presidente Lula. Depois, em função de uma mobilização muito grande da sociedade civil brasileira (cientistas, empresários, ONGs), de uma posição de resistência do próprio Ministério do Meio Ambiente e de uma conjuntura política em função do movimento do Partido Verde de ter uma candidatura, o governo acabou mudasse de posição. E foi assim que chegamos em Copenhague com uma meta de redução entre 36% e 38,9% de reduções projetadas.
Em termos da agenda, não tenho dúvidas de que a questão climática no Brasil é fundamental para as próximas décadas. No sentido de cumprirmos com as metas que nos comprometemos, vamos ter que ter políticas na área de indústria, agricultura, pecuária, geração de energia para todos os setores, transporte e principalmente desmatamento.
Uma outra questão importante dessa agenda é como fazer tudo isso sem os efeitos indesejáveis dessas mudanças. Isso significa que temos que fazer todas essas mudanças sem agravar os problemas sociais. Para isso, vamos ter que criar novos instrumentos econômicos e buscar apoio, inclusive apoio externo, para cumprir com essas metas, sem perdermos de vista a perspectiva de promover a inclusão social e de dar condições básicas de saúde, moradia e vida digna.
Por último, o Brasil tem que assumir uma posição de quebra de paradigmas. O Brasil possui todas as condições para mudar o modelo de desenvolvimento. Nós temos condições de ter uma matriz energética limpa e diversificada; 45% da nossa matriz energética já é limpa e podemos aumentar mais ainda com biomassa, eólica, solar; temos uma área agrícola muito grande, com 300 milhões de hectares de área agricultável, com 51 milhões em repouso; temos uma disponibilidade hídrica muito grande e já somos um país razoavelmente industrializado.
Precisamos de um forte investimento em educação, conhecimento, tecnologia e inovação para prosseguir com as mudanças na matriz energética, ao mesmo tempo enfrentando os problemas que envolvem outras áreas, como a indústria e o setor agrícola.
O Brasil tem as melhores condições para fazer as mudanças na inflexão de transformação de modelo, mas para isso são precisos três coisas: que tenhamos essa visão e o sentido de urgência de que precisamos mudar; que se crie um processo adequado, democrático, horizontal, transparente, envolvendo todos os segmentos (políticos, empresários, a sociedade); e o terceiro é que possamos criar as estruturas para obtermos novas respostas e novos resultados, estruturas que sejam flexíveis para suportar essas mudanças.
E, no plano internacional, não podemos deixar de cumprir um papel importante nos esforços multilaterais, naquilo que eu chamo de “constrangimento ético” junto aos países emergentes, para que, à medida que o Brasil assuma cada vez mais um papel proativo, acabe por ajudar a desconstruir os argumentos de China e Índia de que não querem contribuir com metas.

Bärbel: Eu sou a responsável na bancada de meio ambiente do PV na Alemanha para as comissões de meio ambiente, energia, agricultura e desenvolvimento urbano. Além disso, sou responsável pelas questões de mudanças climáticas. É muito importante ter essa visão de que não há só essa meta de 2020, de 40% de redução, que é o que se defende na Europa, mas também uma meta de 90% ou até mais do que 90% de redução para 2050. Mas, para chegarmos a isso, temos que hoje tomar decisões. Se vamos construir novas usinas térmicas à base de carvão, elas vão produzir mais 50 anos de energia com alto grau de poluição. Se vamos construir mais usinas nucleares, esses mega complexos vão impedir as alternativas mais sustentáveis...

Marina: Nós vamos ter que continuar apostando em uma energia limpa, mas não utilizando a energia nuclear e não apostando apenas em hidroeletricidade. Hidroeletricidade é importante, mas precisamos apostar em outras alternativas. E ainda é preciso um maior cuidado com relação à área de abrangência deste tipo de energia. É possível produzi-la com qualidade social, ambiental e cultural, mas infelizmente isso ainda não vem sendo feito adequadamente.
No caso de Belo Monte, nós temos agora denúncias de que as populações envolvidas não foram ouvidas adequadamente. No caso das populações indígenas, o que elas reivindicam é que os mecanismos de consultas sejam feitas baseadas nos princípios da Convenção 169, no capítulo que trata das populações indígenas (da Convenção da OIT).
É perfeitamente possível que a questão do desenvolvimento sustentável ganhe dimensão no processo político brasileiro, porque, como eu disse anteriormente, não é uma questão ambientalista em si mesma, diz respeito a todos os aspecto da vida, econômico e social, do país, trata-se de integrar a questão da sustentabilidade em todas as ações do governo. Essa é a contribuição que o Brasil dá e não tem o direito de não fazê-lo.

Bärbel: Na Alemanha, durante os 7 anos do governo da Social Democracia-PV, conseguimos colocar uma lei sobre as energias renováveis, apostando muito nas energias eólica, fotovoltaica e na de biomassa. Com essas três, principalmente a eólica, as energias renováveis criaram 300 mil postos de emprego, três vezes mais do que hoje o setor nuclear está empregando. Então, até os economistas reconhecem que o futuro do emprego esteja bastante presente nessa “economia verde”, que tem muito potencial de crescer e assim juntar questões sociais com perspectiva ecológica. E no Brasil, esse debate também existe?

Marina: Sim, perfeitamente. Nós aqui estamos fazendo a discussão de que é possível criar novas oportunidades a partir das novas soluções que precisarão ser criadas para a indústria, para o setor de energia e para a agricultura e a pecuária. Além do que, temos um grande potencial de criar empregos “verdes” no setor de turismo e no uso sustentável da biodiversidade.
No caso da biodiversidade, talvez fosse interessante pensarmos alguma ação conjunta, porque esse fator é muito importante para a proteção das florestas e das populações locais, mas como há uma dificuldade para que se negocie no âmbito da Convenção (da Biodiversidade), um regime internacional de acesso que remunere corretamente sob a forma de uma “justa partilha de benefício pelo uso dos componentes da biodiversidade e pelo uso dos conhecimentos tradicionais associados”. Os países desenvolvidos têm uma resistência muito grande a um regime internacional de acesso e que estabeleça uma partilha de benefícios. No entanto, isso seria muito importante para países como Brasil, Indonésia, Malásia, todos os grandes países florestais.

Barbara Unmüssig: Na sua pré-candidatura, você sente apoio e interesse para os temas que está colocando na agenda? E que tipos de alianças serão feitas para o projeto da sustentabilidade?

Marina: No Brasil, nós temos uma luta de cerca de 30 anos com a agenda socioambiental e, durante esse tempo, fomos gerando experiências e um conjunto de ideias através de empresas, ONGs, experiências isoladas de governo, mas bastante relevantes, ainda que não em escala, e isso tem uma densidade muito grande. A opinião pública brasileira foi considerada uma das que têm maior interesse pelas questões ambientais nas duas pesquisas que foram feitas sobre mudanças climáticas nos vários países. Então eu sinto que todo esse movimento está se juntando agora em torno desse projeto. Não teremos grandes políticas de alianças com partidos, mas já estamos num processo de movimento com “núcleos vivos da sociedade” que representam esses setores. É um movimento transpartidário, em que as pessoas se descolaram dos partidos e participam do movimento pela identificação com as ideias.