As Transformações do Sistema de Patentes da Convenção de Paris ao Acordo Trips - A posição brasileira

No início de 2005, a Fundação Heinrich Böll encomendou um trabalho que mostrasse como o Brasil se sentia diante das transformações ocorridas no campo da Propriedade Intelectual após dez anos de entrada em vigor do acordo TRIPs.

Intitulado “As Transformações do Sistema de Patentes - Da Convenção de Paris ao Acordo TRIPs - A posição brasileira”, o trabalho expôs a origem da prática das patentes, o esforço de alguns países para formular um tratado com algumas regras básicas (a Convenção de Paris), o grande êxito obtido por tal tratado, e a ampla e profunda mudança ocorrida no final do século XX, com a adoção, pela grande maioria dos países do mundo, do Acordo TRIPs, incrustado como pedra preciosa na recém criada Organização Mundial do Comércio.
Apresentado em junho de 2005 em Berlim, em seminário internacional, o trabalho foi traduzido para o inglês, publicado em alemão e só agora é publicado na língua portuguesa, em que fora escrito.
Nos cem anos em que o sistema de patentes se disseminou pelo mundo, os poucos princípios obrigatórios da Convenção de Paris se irradiaram, estimulando o uso da propriedade intelectual. Ao deixar margem para que cada país encontrasse seus melhores critérios de aplicação, voltados para suas políticas econômicas e dentro de suas condições de desenvolvimento, a Convenção se tornou a entidade internacional com o maior número de países-membros, só superada pela ONU e pela FIFA, do futebol.
Com o passar do tempo, as várias revisões tornaram algumas regras mais rígidas - sempre em favor dos titulares e em detrimento dos Estados concedentes e de seus consumidores -, mas ainda sobrava uma ampla margem de manobra para esses países.
Com a adoção de TRIPs, em 1995, cobriu-se de êxito o esforço realizado por alguns grandes grupos de empresas transnacionais, entre eles o de semi-condutores, o de software e a poderosa indústria farmacêutica. Negociado em conjunto com 12 outros acordos, todos eles voltados para a redução de barreiras e estímulo ao livre comércio, TRIPs revolucionou o mundo da propriedade intelectual ao determinar que devem ser objeto de patentes todos os produtos e processos, de todos os setores tecnológicos. Patentes passam a ser obrigatórias, regidas por regras rígidas de aplicação (“enforcement”) e sistema de solução de controvérsias.
Sem alternativas, os países emergentes levam algum tempo para avaliar as conseqüências e os impactos que tais regras internacionais podem trazer para sua economia. Em 2005 já se sabia que países como Índia e Tailândia, aproveitando-se do período de graça concedido a países em desenvolvimento, haviam conseguido criar uma formidável indústria de medicamentos que hoje tem ramificações em vários países do mundo. Do outro lado, Brasil e Argentina, não se interessando pelo prazo concedido, tiveram dificuldades enormes para garantir a permanência de alguma parte da indústria de medicamentos em mãos de nacionais.
Em 2005 já era de conhecimento geral que em todas as novas negociações comerciais, os países desenvolvidos buscavam incluir discussões sobre propriedade intelectual, impondo regras nesta área que superavam as exigências vigentes, o que se denominou TRIPs-Plus.
No céu da propriedade intelectual brilhava a OMC, expondo a jóia da coroa: o acordo TRIPs. O que não se sabia claramente em 2005 é que a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, que, como sucessora dos BIRPI, por mais de cem anos conduzira, soberana, o sistema internacional de patentes, não estava imobilizada, nem pretendia ser relegada a segundo plano. Dotada de competente corpo técnico e grande experiência no tema, ela passou a dedicar-se a novos projetos de tratados, tanto na área de direitos autorais como na de patentes e marcas. E, aos poucos, para desconsolo dos países em desenvolvimento, constatou-se que as negociações de iniciativa da OMPI haviam mudado de direção. Tanto nos projetos sobre normas procedimentais quanto nos relativos a definições substantivas, elas passaram a revelar um forte esforço de padronização de legislação dos vários países, com o argumento de fortalecer o valor das patentes. Neste sentido, tais projetos tendem a criar regras e procedimentos com resultados típicos de TRIPs-Plus.

A constatação veio da análise dos projetos que se transformaram no tratado de direitos autorais (WCT), seguido do tratado sobre proteção de fonogramas e intérpretes (WPPT), e ficou mais clara no acompanhamento do projeto de tratado SPLT (Tratado sobre direito substantivo de patentes), que levantou grandes preocupações por parte dos países em desenvolvimento.
Deu-se então a reação por parte dos países em desenvolvimento, por meio de uma proposta de introdução, no próprio mandato da OMPI, de uma Agenda para o Desenvolvimento. Busca a proposta erigir em objetivo tão importante quanto a elevação do padrão da propriedade intelectual o conceito de desenvolvimento dos países-membros. Tenta-se substituir o raciocínio de que o desenvolvimento é estimulado com mais propriedade intelectual pelo conceito de que o aumento da proteção aos titulares de patentes só é justificável se trouxer benefícios ao país-membro. Traz-se para o palco a figura das empresas dos pequenos países, o consumidor interessado nos produtos patenteados, as diferenças de nível educacional e de competência tecnológica entre os países-membros.
Em 2005 não se sabia com clareza quais os objetivos políticos da proposta de Agenda para o Desenvolvimento. Nem se podia prever se ela teria êxito.
Em 1º de outubro de 2007, após o encerramento da 43ª reunião da Assembléia Geral da OMPI, soube-se que a iniciativa foi muito bem sucedida. Embora o núcleo da proposta tenha se misturado com inúmeras outras sugestões, a Assembléia Geral decidiu-se pela criação de um Comitê de Desenvolvimento permanente no quadro da OMPI, e pela aprovação de 45 recomendações feitas pelos vários países, relacionadas a estímulo ao desenvolvimento. Entre elas, aquelas contidas no documento inicial apresentado em 2004. O projeto de tratado SPLT foi contido e acha-se tramitando, sem urgência, no Comitê de Patentes, onde deverá passar por uma reanálise sob o foco do novo conceito.
Desta forma, em fins de 2007 tem-se uma melhor e mais clara visão das coisas.

Nesta oportunidade, a Fundação Heinrich Böll voltou a tratar de propriedade intelectual, no Brasil. Em seminário organizado em conjunto com a REBRIP, pediu-me uma análise da atuação da OMPI no período pós-TRIPs, o que fiz por meio da elaboração do documento
“A Agenda para o Desenvolvimento, da OMPI”. Esse documento, elaborado com o recuo dado por alguns anos de observação, pode ser considerado uma complementação ao estudo feito em 2005. Por isso, entendo que sua leitura poderá acrescer, aos que leram o primeiro documento, algumas informações e apreciações que tornarão mais compreensível o tema. Assim espero.
Brasília, novembro de 2007.

Por Cícero Gontijo

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Detalhes da publicação
Data da publicação
Março de 2005
Editor/a
Fundação Heinrich Böll Brasil
Número de páginas
63
Licença
Idioma da publicação
Português
Índice

1. LIVRE COMÉRCIO x MONOPÓLIOS PÁG 12
1.1 A Convenção de Paris e a liberdade legislativa dos Membros PÁG 16
1.2 Desvendamento e produção local obrigatórios, na origem PÁG 17
1.3 A força da caducidade e a fragilidade da licença compulsória PÁG 18
1.4 Acordo Trips: em época de livre comércio, rigidez de monopólios PÁG 20
1.5 O fim da caducidade e a introdução de licença compulsória frágil PÁG 22
2. AS CONSEQÜÊNCIAS DE TRIPS PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PÁG 25
2.1 Patentes como reserva de mercado PÁG 26
2.2 Preços de produtos para os quais não há substitutos PÁG 28
2.3 A questão da Aids. Rejeição ao sistema de patentes PÁG 29
3. A POSIÇÃO BRASILEIRA PÁG 32
3.1 Exploração local como direito do Estado PÁG 34
3.2 Evitar trips plus, atuar na OMC visando a modificar Trips PÁG 35
3.3 A iniciativa na OMPI PÁG 42
4. CONCLUSÕES pág pág 46
A Agenda para o Desenvolvimento, da ompi
1. As patentes , dada Revolução Industrial à Convenção de Paris  (1700 a 1883) PÁG 51
2. Da Convençãode Paris Acordo TRIPs (1883 a 1995) PÁG 52
3. A época época dede TRIPs (1995 em diantediante ) PÁG 54
4. A nova atuação da OMPI PÁG 55
5. Resumo histórico das negociações do SPLT PÁG 58
6.Reação dos Países em Desenvolvimento PÁG 59
7 .A proposta de Agenda para o Desenvolvimento  60 PÁG 60
8. Conclusões  PÁG 63