Entrevista: Projeto “Esquina: ideias que se cruzam” - o audiovisual como ferramenta política de transformação

A série de conversas sobre produção audiovisual independente no Estado do Rio de Janeiro, realizada pela produtora Quiprocó Filmes, com apoio da Fundação Heinrich Böll, da ESPM-Rio, da Fundação Luterana de Diaconia e do Lumyjacarê Junçara, acontece de agosto a dezembro de 2020. Os convidados debatem temas relacionados às ações de inovação e governança no campo das políticas públicas e do mercado audiovisual, especialmente no contexto da pandemia do coronavírus. Participam  produtores de diversas regiões do Brasil, países da América Latina, África e Europa.

Conversamos com Fernando Sousa e o Gabriel Barbosa, diretores da Quiprocó Filmes e idealizadores do projeto, que ainda conta com a curadoria da Lais Dantas, profissional que atua em outros projetos da produtora. A produção do projeto é da Aline Resende e a assessoria de imprensa da jornalista Priscila Bispo. A identidade visual do projeto e as peças de divulgação tem a assinatura da designer Luiza Chamma.

 

Equipe Quiprocó Filmes produzindo entrevista
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Equipe da Quiprocó Filmes produzindo entrevista com senhoras

Fundação Heinrich Böll: Qual foi o ponto de partida do projeto “Esquina: ideias que se cruzam”?

Fernando Sousa e Gabriel Barbosa: Por acreditar e saber que o cinema e o audiovisual são setores fundamentais, seja do ponto de vista da construção da nossa identidade, mas também estratégico para a geração de emprego, renda e para o desenvolvimento econômico do estado do Rio de Janeiro. Esse é o ponto de partida para pensar um setor historicamente alijado dos processos de construção de políticas públicas no estado do Rio de Janeiro e que mesmo assim, paradoxalmente, pode ser considerado estratégico na medida em que estamos dentre os maiores produtores de conteúdo audiovisual do Brasil. Ao falarmos do setor do cinema estamos pensando nas possibilidades de criação artística, de expressão da juventude e da geração de trabalho, emprego, renda e da formação de mão de obra qualificada. Para tanto, é preciso pensar nas potencialidades existentes na região metropolitana e no estímulo para o desenvolvimento do setor nas cidades do interior do estado. Nós acreditamos nisso e trabalhamos para que isso aconteça, quando produzimos ou no momento em que decidimos pautar esse debate na arena pública. A partir de uma articulação bastante diversa e ampla apresentamos um conjunto de propostas concretas que dizem respeito aos segmentos de formação, produção, distribuição e preservação para a Superintendência Estadual do Audiovisual, cujos eixos de ação precisam ser pensados enquanto segmentos de uma cadeia produtiva vibrante e complexa. Entendemos, por exemplo, que a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) deve ocupar um papel estratégico para o desenvolvimento em nível superior e de pós graduação no setor do cinema e do audiovisual, agregando valor e estimulando o investimento público em inovação, pesquisa e qualificação de recursos humanos que devem ser absorvidos pelo arranjo produtivo do setor do cinema e do audiovisual. 

O Esquina - ideias que se cruzam, nasce com o objetivo de conferir centralidade ao debate acerca da produção audiovisual e cinematográfica fluminense, para a importância das ações de inovação e governança no campo das políticas públicas e do mercado do audiovisual independente no Estado do Rio de Janeiro. A ideia é estimular o diálogo e trocar experiências sobre boas práticas no campo das políticas públicas, com a participação de players e produtores de diversas regiões do Brasil, de países da América Latina, África e Europa. 

Fundação Heinrich Böll: Quais as suas perspectivas, como diretores, para o cinema no Rio de Janeiro? Por onde começam as mudanças necessárias? 

Fernando Sousa e Gabriel Barbosa: É preciso ressaltar que o setor cinematográfico fluminense possui uma enorme capacidade criativa e produtiva, com potenciais polos de produção independente na região metropolitana e no interior do estado. É fundamental que a gente desloque o olhar para além do eixo Centro-Zona Sul. É preciso investimentos para o interior do estado, para a Baixada Fluminense, é preciso territorializar estrategicamente a distribuição dos recursos simbólicos e materiais e de ações afirmativas que garantam a diversidade de gênero e raça. A produção cinematográfica fluminense precisa e pode ser um importante motor de expressão da diversidade das nossas gentes, suas histórias peculiares, suas alegrias, afetos, emoções e inquietações.  

Para que isso aconteça precisamos da elaboração por parte da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro de uma estratégia de intervenção no campo das políticas que estabeleça um plano de investimentos para o do cinema independente, a consolidação de processos de diálogo com os profissionais do setor, estabelecimento de metas, transparência e responsabilidade na aplicação dos recursos públicos.    

Após 20 anos, em março desse ano, tivemos a tão esperada regulamentação do Fundo Estadual de Cultura, que dispõe de mais de 25 milhões de reais. Precisamos  pensar na estruturação institucional de longo prazo, fortalecer e garantir a institucionalidade do Conselho Estadual de Política Cultural - CEPC e o Comitê Gestor do Fundo Estadual de Cultura, o que significa reconhecer a importância da participação e controle social na gestão e distribuição do recursos. Trata-se de uma solidez institucional no campo das políticas públicas do setor criativo e da cultura que deve ser construída no longo prazo, como acontece com o Funcultura em Pernambuco, por exemplo. É uma outra realidade e com desafios regionais distintos, mas o Funcultura pode servir como fonte de inspiração para a implantação de políticas públicas de fomento ao setor criativo, à cultura e suas diferentes linguagens em outros contextos, como é o caso do Rio de Janeiro. Essa é uma mudança de caráter institucional das mais relevantes para que a gente tenha as condições de pensar em um modelo estruturante de fomento com o setor criativo, das artes e da cultura em nosso estado, no curto, médio e longo prazo. 

Fundação Heinrich Böll: Qual a mudança mais marcante no Governo atual em relação ao audiovisual? 

Fernando Sousa e Gabriel Barbosa: Trata-se de um governo que iniciou um processo discursivo de criminalização das artes e da cultura já durante o processo eleitoral para a Presidência da República. E a partir da posse deste governo, observamos o recrudescimento dos casos de censura, o aprofundamento do processo de desmonte do Ministério da Cultura, da Agência Nacional de Cinema - ANCINE e a total paralisação do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA. Tudo isso se insere em um desastroso projeto de desmonte do Estado, entreguista e que coloca em xeque a nossa soberania. Todavia, a pandemia do coronavirus acabou criando uma certa comoção social com relação à situação dos trabalhadores das artes, do setor criativo e da cultura, na medida em que o advento das lives e de uma série de programações culturais foram acionadas como forma de minimizar a situação de isolamento social. Inclusive, tenho a impressão de que muitos trabalhadores da cultura, potencialmente simpáticos a esse governo e atingidos pelos efeitos da pandemia, sentiram na pele a paralisação das atividades do setor criativo e da cultura, pois estamos falando de setor da economia que mobiliza trabalhadores das diferentes classes sociais, níveis de formação e especialização: costureiras, motoristas, maquinistas, iluminadores, bilheteiros, operadores de câmera, designers, ilustradores, técnicos de som, profissionais da computação gráfica, jornalistas e outras milhares de profissionais que têm como fonte de renda atividades relacionadas com as áreas criativas e da cultura, direta ou indiretamente. 

Talvez, essa paralisação tenha sido o estopim para articulação dos profissionais da cultura pela liberação de recursos federais para o setor criativo e da cultura, o que resultou nas mobilizações que culminaram na elaboração da Lei Aldir Blanc. Quanto isso, posso dizer que os trabalhadores do setor aguardam com expectativa a regulamentação federal da lei, a sua implementação adequada pelos estados e municípios.

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) é um fundo destinado ao desenvolvimento articulado de toda a cadeia produtiva da atividade audiovisual no Brasil. Criado pela Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, e regulamentado pelo Decreto nº 6.299, de 12 de dezembro de 2007, o FSA é uma categoria de programação específica do Fundo Nacional de Cultura (FNC).

O FSA contempla atividades associadas aos diversos segmentos da cadeia produtiva do setor – produção, distribuição/comercialização, exibição, e infra-estrutura de serviços – mediante a utilização de diferentes instrumentos financeiros, tais como investimentos, financiamentos, operações de apoio e de equalização de encargos financeiros

FONTE: ANCINE

Fundação Heinrich Böll: Quem são os convidados já confirmados para as lives? 

Fernando Sousa e Gabriel Barbosa: Iniciamos em agosto a realização do projeto Esquina - ideias que se cruzam, com a participação Viviane Ferreira e da Cintia Domit Bittar, da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro - APAN e da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro - API, respectivamente. A participação das diretoras das duas entidades foi fundamental para dar o pontapé inicial em torno do debate de propostas para a formulação e implementação de políticas públicas para o setor do cinema e do audiovisual no Estado do Rio de Janeiro. Já na segunda sessão convidamos o Glauber Filho e a Lia Bahia para debatermos questões relacionadas à pesquisa e inovação, considerando a experiência de ambos no campo da produção e a atuação como professores e pesquisadores. Essa é uma perspectiva interessante acerca do perfil dos participantes das sessões, pois estamos falando de trajetórias profissionais que revelam inserções diversificadas no mercado, na elaboração de políticas públicas ou como representantes de organizações da sociedade civil. 

Ainda em agosto, estreia o Cinesquina, espaço onde os profissionais do audiovisual independente mostram seu trabalho e discutem o processo de construção da linguagem cinematográfica. Com apresentação da Lais Dantas, o primeiro programa será dedicado ao debate sobre “A linguagem sonora na produção cinematográfica”, com a participação da técnica de som direto Marina D’ Ávila e o diretor de som Guilherme Farkas. 

Nas próximas sessões estamos planejando pautar a discussão sobre o cineclubismo e os desafios em torno dos avanços na distribuição cinematográfica via streaming, com a participação do cineclubista Jorge Braga do Grupo Código de Japeri, na Baixada Fluminense, e da Juliana Cleymir diretamente de Pernambuco para falar da sua experiência em cinema, educação e o desenvolvimento de experiências cineclubistas em espaços de privação de liberdade e ressocialização feminina do Estado.

E ainda temos uma programação bastante rica até dezembro com debates sobre a produção cinematográfica na perspectiva internacional, com convidados especiais de festivais do Rio e de Brasília. Essa semana confirmamos a participação do documentarista Silvio Tendler, que nos presenteará com um debate sobre a linguagem documental, dentre outros realizadores do Brasil e de outros países. A programação segue até a primeira semana de dezembro.