Ao presidente da Caixa Econômica Federal

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Pessoas e organizações enviaram, em 24 de maio, uma carta aberta ao presidente da Caixa Econômica Federal exigindo esclarecimentos sobre as possibilidades de que o banco conceda à empresa encarregada da construção da Usina Nuclear, conhecida como Angra III, um empréstimo para que a construção seja terminada. Até o momento, a solicitação de financiamento a bancos europeus não foi respondida. De acordo com os signatários da carta, a falta de resposta seria justificada pela insuficiência de informações sobre as condições de segurança da nova usina de Angra. As condições de segurança se tornaram mais exigentes após o acidente nuclear em Fukushima, no Japão, em 2011. A carta ainda pode ser subscrita, em apoio à Coalizão Por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, por meio do e-mail: xonuclear@uol.com.br. Leia a carta abaixo.

Carta aberta ao presidente da Caixa Econômica Federal

Brasília, 24 de maio de 2013

Senhor Presidente,

As pessoas e organizações que subscrevem a presente tiveram ciência, pelos jornais, de que os responsáveis pelo Programa Nuclear Brasileiro estão em entendimento com a Caixa Econômica Federal para que esta conceda, à empresa encarregada da construção da Usina Nuclear conhecida como Angra III, um empréstimo que permita completar essa construção, uma vez que até agora a solicitação feita no mesmo sentido junto a bancos europeus não obteve resposta.

Segundo o que chegou ao nosso conhecimento, a demora dos bancos europeus para atender a esse pedido de financiamento seria devido a insuficiências nas informações apresentadas pelas autoridades brasileiras quanto às condições de segurança da nova usina de Angra. Como estas condições se tornaram mais exigentes após o acidente nuclear ocorrido em março de 2011 em Fukushima, no Japão, esses bancos e a Agência alemã Euler Hermes, que daria o seguro ao empréstimo, teriam solicitado mais informações sobre condições de segurança em Angra.

É do conhecimento geral que há riscos específicos em Angra, ligados ao histórico de deslizamentos de terra na região, e que as condições de evacuação da população em caso de acidente são extremamente precárias. Por outro lado, a informação difundida a evacuação cobriria apenas um raio de 5 quilômetros em torno das usinas, quando a 15 quilômetros delas se situa a cidade de Angra dos Reis, com mais de 170.000 habitantes, e quando o raio adotado em Fukushima foi de 30 quilômetros.

É grave no entanto uma questão sobre a qual a maioria dos cidadãos brasileiros não tem informação: o projeto de construção das 3 usinas de Angra teria adotado as normas de segurança usuais na década de 70, mas a partir do acidente ocorrido no final dessa década, em 1979, em Three Miles Island, nos Estados Unidos, essas normas foram revistas. A revisão levou em conta a possibilidade real de acidentes severos, por falhas humanas, de projeto ou dos equipamentos, que podem levar à explosão dos reatores e à destruição dos edifícios de contenção dentro dos quais eles se encontram, propagando elementos radioativos no meio-ambiente.

Sabe-se que as nuvens radioativas que podem se formar com tais explosões se espalham ao sabor do vento, como ocorreu em Chernobyl, na então União Soviética, em 1986, atingindo todos os países da Europa. No nosso caso, elas atingiriam de imediato São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades brasileiras, situadas a menos de 200 quilômetros das usinas.

As novas normas de segurança adotadas em 1985 pelos Estados Unidos, depois do acidente de Three Miles Island, implicaram na obrigatoriedade de construção de maiores e mais sólidos edifícios de contenção da propagação da radioatividade, já que os acidentes são sempre possíveis. Por essa razão o governo norte-americano exigiu, em 1988, que todas as suas usinas nucleares fizessem reformas modificando seus projetos originais, para passarem a contar com os novos edifícios de contenção necessários.

Posteriormente, em 2004, a própria Agencia Internacional de Energia Atômica expediu sua norma NS–G-1.10, que trata do projeto desse Edifício de Contenção, para prevenir os efeitos nefastos de fusões totais do núcleo do reator.

Ora, Sr. Presidente, pela informação que dispomos, não se tomou nenhuma providência no Brasil para que se obedecesse a essas normas internacionais, como ocorreu nos Estados Unidos, e nossas usinas continuaram a funcionar – ou, no caso de Angra III, esta continuou a ser construída - com projetos feitos antes do acidente de Three Miles Island. Segundo a informação existente, inclusive a própria Comissão Nacional de Energia Nuclear licenciou Angra III em 2010, seis anos depois da expedição das novas normas pela AIEA, sem que estas tivessem sido levadas em conta, isto é, considerando os projetos originais dessa usina. .

Se tais dados forem verdadeiros, assim como os relativos ao problema da insuficiência do plano de evacuação de Angra e dos riscos de deslizes de terra na região, não será de estranhar que as autoridades brasileiras não tenham podido responder adequadamente à solicitação de informações dos bancos europeus e da companhia de seguros Hermes.

Mas nos preocupa, senhor Presidente, que a Caixa Econômica Federal possa se dispor a substituir bancos que não estão querendo financiar um determinado empreendimento porque este estaria contrariando normas de segurança internacionais. Seria a nosso ver algo extremamente grave, desde um ponto de vista de responsabilidade social de uma empresa do governo, o que não escapará da atenção dos cidadãos e cidadãs brasileiros, se tais dados forem confirmados e difundidos.

Diante disso, com base na Lei de Acesso à Informação, no. 12.527, de 18 de novembro de 2011, estamos vindo à sua presença para lhe solicitar as seguintes informações:
1. Existem efetivamente negociações em curso para que a Caixa Econômica Federal financie o término da construção de Angra III, pelo fato deste financiamento não ter sido obtido na Europa?
2. A Caixa tem conhecimento da existência de revisões dos projetos iniciais de Angra III tendo em vista as normas NS–G-1.10 da AIEA - Agencia Internacional de Energia Atômica, editadas em 2004?
3. A Caixa conhece essas normas? E, se existir efetivamente um pedido de financiamento de Angra III à Caixa, estão contempladas as necessidades de recursos decorrentes de obras exigidas por essas normas da AIEA?
4. A Caixa tem conhecimento de um pedido de informações feito por bancos europeus e pela Agencia de Seguros Hermes, da Alemanha, quanto às condições de segurança de Angra III, e do teor desse pedido?
5. A Caixa tem conhecimento da resposta dada pelas autoridades brasileiras a esse pedido de informações, e da condução das negociações das autoridades brasileiras com bancos europeus para financiar Angra III?
6. Se forem confirmadas as informações acima quanto ao descumprimento de normas da AIEA pelas autoridades brasileiras, a Caixa considera que pode ignorar esse descumprimento e financiar Angra III sem que as normas sejam cumpridas?
7. A Lei que instituiu a Caixa Econômica Federal a autoriza a fazer empréstimos para empresas que constroem ou operam usinas nucleares para a produção de energia elétrica?
Esperando merecer de V.Excia. a atenção exigida pela gravidade da questão abordada, aguardamos sua resposta, nos termos da Lei 12.527, subscrevendo-nos atenciosamente.

(Seguem-se os nomes de 42 cidadãos e cidadãs – integrantes de 36 entidades da sociedade civil brasileira – que participaram em Brasília, nos dias 23 e 24 de maio de 2013, de Seminário por uma Nova Política Energética no Brasil).
• Brent Millikan, International Rivers Brasil
• Candido Waro Munduruku, Povo Munduruku
• Célio Bermann, Professor da Universidade de São Paulo – USP, Articulação Antinuclear Brasileira
• Chico Whitaker, Coalizão Por um Brasil Livre de Usinas Nucleares
• Clovis Antonio Brighenti, Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
• Cristiane Faustino da Silva, Instituto Terramar
• Cristina Costa, Centro Burnier Fé e Justiça
• Dione Albani da Silva, Movimento dos Pequenos Agricultores
• Edilberto Moura Sena, Movimento Tapajós Vivo
• Glaucia Fernandes Dias, SOS Climaterra, Marcha Mundial do Clima
• Heitor Scalambrini Costa, Professor da Universidade Federal da Pernambuco, Articulação Antinuclear Brasileira
• Inacio Werner, Centro Burnier Fé e Justiça
• Ione de Cássia Bandeira Rochael, Comissão Paroquial de Meio Ambiente – (CMPA)
• Iremar Antonio Ferreira, Instituto Madeira Vivo, Roraima
• Ivo Poletto, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
• Jane Souza da Silva, Comissão Pastoral da Terra (CPT)
• Jose Carlos Pascoal, Fórum das Pastorais Sociais, Regional Sul 1
• José Magalhães de Souza, Caritas Brasília
• José Procopio de Lucena, Articulação do Semiárido – ASA
• Juliana Malerba, FASE, Núcleo de Justiça Ambiental e Direitos
• Laurentina da Silva, Pastoral da Ecologia da Arquidiocese de São Paulo
• Luigi Ceppi, CNBB Regional Noroeste
• Maira Irigaray, American Watch
• Marcelo Brito dos Santos, FIAN Brasil
• Marcelo Calazans, FASE, Espírito Santo
• Maria Eliane Pereira do Vale, Movimento dos Pescadores e Pescadoras
• Marília Schüller, Koinonia
• Marline Dassoler, Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
• Miguel Borba de Sá, Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul
• Ormezita Barbosa de Paulo, Conselho Pastoral dos Pescadores
• Patricia Bonilha, Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
• Roberta Amananjás, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
• Rosenilda Nunes Padilha, Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
• Rosimeri Mello Pereira, Fórum de Economia Solidaria do DF
• Rubens Patrocínio Senna, Caritas Regional Espírito Santo
• Sueli Martins Miranda, Conselho Pastoral de Pescadores - Norte
• Thierry Linard, Centro Cultural de Brasília
• Verena Glass, Movimento Xingu Vivo Para Sempre
• Vivian Santana da Silva, Pastoral Social do Nordeste
• Zoraide Cardoso Vilasboas, Movimento Paulo Jackson, Etica, Justiça e Cidadania, Bahia