Agroecologia na América Latina – um futuro necessário - Editorial

Agroecologia na América Latina – um futuro necessário

A agroecologia tem crescido em todo o mundo, mas é na América Latina que suas experiências estão mais fortes e consolidadas. Poucos fenômenos são tão fundamentalmente latino-americanas quanto a agroecologia. Em reconhecimento à importância dessa ciência, movimento social e acervo de práticas que condensa inúmeras experiências revolucionárias e de resistência na América Latina, a Fundação Heinrich Boll decidiu produzir sua primeira publicação própria unindo esforços de todos seus escritórios latino-americanos. Foi uma longa trajetória de reuniões e levantamentos de experiências com parceiros que atuam na cena agroecológica em diferentes países.

O resultado é o dossiê “Agroecologia na América Latina”, cujos artigos exploram as diferentes dimensões que, como um sistema agroflorestal, se consorciam na formação da prática agroecológica. A maioria dos artigos foi escrita por múltiplas mãos, que juntas extrapolaram as fronteiras nacionais para sistematizar exemplos que provam a força da agroecologia no combate ao avanço de outras fronteiras: agrárias, minerárias, energéticas, madeireiras. No resultado, fica evidente o protagonismo das comunidades camponesas, indígenas e quilombolas em um processo de manutenção e resgate de séculos de saberes científicos, tradicionais e identitários em torno do plantio, da transformação de alimentos, da preservação das sementes e de outras formas, não predatórias, de se relacionar e habitar os territórios.

Essas experiências, que por séculos sobreviveram à investida dos processos coloniais, precedem a consolidação do conceito de agroecologia, marcando lutas históricas pela defesa territorial e cultural. No entanto, diversos movimentos transnacionais que surgiram a partir da década de 80 se nutriram delas para promover a integração, em rede, dessa resistência. É o caso do Movimento Agroecológico Latino-americano (MAELA), o Consórcio Latino-americano de Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (CLADES), a Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo (CLOC), e o movimento Via Campesina. Entre os principais compromissos dessas organizações estavam, e seguem estando, a defesa da segurança e soberania alimentar, a reforma agrária integral e popular, a reivindicação dos bens comuns, a equidade de gênero, os direitos dos povos indígenas e tradicionais e da própria natureza.

Nos últimos anos, a agroecologia tem expandido seu público e ganhado cada vez mais espaço em meios onde, originalmente, era escamoteada. No campo acadêmico, por exemplo, ela tem confrontado o pensamento positivista, construindo novos paradigmas que superam as concepções hegemônicas que sustentam o sistema agroalimentar industrial. A juventude latino-americana tem sido determinante no processo de expansão da agroecologia para outras redes.

Mas nem tudo são flores, ou uma grande variedade de frutas e verduras. A realidade ainda é dominada pela monocultura. Existem grandes desafios para que a agroecologia cresça o suficiente para se tornar um oponente à altura dos modelos predatórios de extração. Promessas não cumpridas de reformas agrárias, desmontes de políticas públicas que apoiam a agricultura camponesa, o açambarcamento de territórios indígenas e de povos tradicionais estão entre eles, além dos esforços de cooptação e captura de uma retórica agroecológica por Estados e empresas. Esses desafios também são diagnosticados ao longo desse dossiê.

Por ora, esperamos que esse material, um mosaico de fatos e experiências internacionais (muitas das quais desconhecidas até mesmo no contexto agroecológico brasileiro), te alimente de uma visão diferente de América Latina daquela apresentada pela lógica desenvolvimentista: a de um continente rico em biodiversidade, água doce e povos que dominam conhecimentos milenares de como coexistir com essa abundância. Essa diversidade é a principal semente da agroecologia.

Boa leitura,

Annette von Schönfeld, Marcelo Montenegro e Julia Dolce

 


Expediente

O dossiê “Agroecologia na América Latina – Um futuro necessário” foi concebido pelo grupo de coordenadores das áreas de justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll, em 2019, tendo passado por muitos debates, investigações, redações e reescritas, além da análise e intervenção por acadêmicos, jornalistas, de diagramadores e muitas outras pessoas que foram consultadas pelas equipes da Fundação Heinrich Böll nos escritórios da América Latina. Por isso, os artigos são uma construção coletiva e não há assinatura de autoria nos textos.

Colaboradores nesta publicação

Funcionários da Fundação Heinrich Böll: Ingrid Hausinger (escritório de San Salvador, América Central), Emilia Jomalinis, Marcelo Montenegro, Joana Simoni, Maureen Santos (escritório do Rio de Janeiro), Dolores Rojas e Jenny Zapata (escritório do México); Natalia Orduz Salinas (escritório da Colômbia), Gloria Lilo (escritório do Chile), Pablo Arístide (escritório da Argentina)

Colaboração científica: Rodica Weitzman, Marcus Vinicius Branco de Assis Vaz (tradução para o espanhol das informações sobre o Brasil), Dulce Espinosa e Luis Bracamontes (informações sobre o México), Julián Ariza, Irene Mamani Velazco, Henry Picado Cerdas (Costa Rica), Corporación Ecológica y Cultural Penca de Sábila

Design gráfico e diagramação: Corporación Proyecto NN (Colômbia), Domingos Savio (Brasil)

Edição e correção de testes: Corporación Proyecto NN, Poliana Dallabrida (Brasil), Red de coordinación en biodiversidad (Costa Rica), Pablo Arístide, Joana Simoni, Emília Jomalinis

Autores convidados: Giuseppe Bandeira, Julia Dolce, Nemo Augusto Moés Côrtes,

Tradução e revisão em português: Rosita Ueno

Webdesigner: FW2 Agência Digital

Assistente de Webdesigner: Víctor Ribeiro

Edição finalizada em 2023 em português: Julia Dolce, Marcelo Montenegro, Annette von Schönfeld – Fundação Heinrich Böll – escritório do Rio de Janeiro.