Da fome à fome

O cenário é estarrecedor: são 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil; e mais da metade da população enfrenta algum grau de insegurança alimentar. A alta nos preços é constante, inclusive de comidas basilares da cultura nacional como o arroz e o feijão. Políticas públicas que permitiram ao país se livrar da chaga da fome em um passado recente foram desmontadas. Ao mesmo tempo, o agronegócio registra recordes de safras que, no entanto, não significam melhora do cenário – antes o contrário: significam desmatamento e queimadas, conflitos fundiários, ataques a povos originários e comunidades tradicionais, contaminação por agrotóxicos, perda de biodiversidade.

Contudo, além de estarrecedor, o cenário é também complexo; daí a Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP assumir o desafio de construir – junto a pesquisadoras/es de diversas áreas e de grupos da sociedade civil – uma narrativa multidimensional e aprofundada sobre a atual situação brasileira, tomando por base a obra clássica de Josué de Castro, “Geografia da Fome”. O livro do autor pernambucano marcou a denúncia do problema da fome no Brasil como um problema estrutural produzido pelas enormes desigualdades sociais e como um problema substancialmente político, antes de natural.

Para comemorar os 75 anos dessa obra – que, apesar das mais de sete décadas desde sua publicação, é de extrema relevância e explicita problemas que enfrentamos ainda hoje –, a Cátedra organizou um processo de reflexão para explicar o que mudou, o que não mudou e o que mudou para não mudar nas estruturas de poder e políticas públicas que nos colocam neste cenário catastrófico da volta e aumento exponencial da fome no Brasil.