Nos últimos dois dias, as negociações continuaram seguindo as agendas dos órgãos subsidiários da Convenção, o SBI e o SBSTA e da Plataforma de Durban (ADP), que busca criar um guia político para o desenvolvimento do novo acordo no âmbito da UNFCCC e que tenta aumentar as ambições globais de corte de emissões e outras medidas para o enfrentamento das mudanças climáticas no pré-2020.
O que se vê não é diferente do que passou nas últimas rodadas. Uma negociação extremamente técnica, mas que esconde várias decisões políticas e interesses por trás dos números, dos parágrafos e dos colchetes. É impossível seguir tudo. São pelo menos quatro a cinco sessões de temas distintos sendo realizadas ao mesmo tempo em salas separadas. Mesmo para as delegações dos países é difícil acompanhar tudo. O Brasil que tem uma delegação razoável, se comparado a maioria dos países em desenvolvimento membros da Convenção, nem sempre consegue estar em tudo e ai elege prioridades.
Destas prioridades segue relato de algumas sessões.
Item 13 SBSTA: Mecanismos de mercado e não mercados no âmbito da Convenção
Neste item de negociação, estão na mesa três rascunhos/drafs: (a) o quadro geral de várias abordagens, chamado pela sigla FVA (framework for various approaches), (b) as abordagens não baseadas no mercado; e (c) mecanismo baseado em novos mercados, denominado NMM (new market-based mechanisms).
Durante a sessão, varios países apontaram a necessidade de estabelecer definições sobre o que são esses termos e outros que aparecem nos rascunhos como o termo “estrutura” (qual tipo de governança pra alem do offsetting/compensação), que não seriam auto-explicativos. Questionaram bastante a estrutura dos rascunhos, como a Bolívia, por entenderem que são difíceis de compreender por estarem fora de ordem, hierarquia e por incluírem novos elementos a cada novo rascunho. Brasil fez diversas colocações sobre cada ponto e em resumo disse que ainda não estão confortáveis com estes drafts (rascunhos) e que até agora o que foi feito somente serve como um ponto de partida, que deveria ser apresentado como pontos mais abertos e não ainda como texto. Sugeriram incluir um novo ponto sobre a importância do SBSTA para o mandato do ADP. China e Índia durante suas falas concordaram com os pontos apresentados pelo Brasil, com clara sinalização que o grupo BASIC continua atuando fortalecendo as posições individuais dos países.
A posição dos países BASIC e de outros em desenvolvimento é que esta negociação não pode estar desconectada com o acordo 2020, porque senão poderia violar o que eles chamam de integridade ambiental do regime. E também porque é exatamente o ponto principal da barganha com os países desenvolvidos: a criação de novos instrumentos de mercado. Nesse sentido, estão caminhando mais para utilizar somente o FVA no texto que irá para Lima, por ser uma composição que entra o mercado e o não mercado.
Item 5 SBSTA: Guia metodológico para as atividades relacionadas ao REDD+
Este item ficou em torno de dois pontos: abordagens de não mercado e o chamado non carbon benefits, os benefícios pra alem da redução de emissões de carbono e que não estão previstas na Convenção.
A negociação sobre pagamento por resultado (resulted-based payment), defendida pelos países em desenvolvimento, e que os países da OCDE (Anexo II) deveriam financiar projetos como o REDD+ sem offsetting, ou seja, sem valer para compensar e computar como um crédito de carbono. Muitos LDCs (less development countries) que estão interessadas em vender crédito, e claro, países desenvolvidos que não querem mudar seu padrão de produção e consumo, querem que offsetting entre como parte disso. Como o texto sobre a abordagem de REDD+ aprovada em Varsovia ficou ambíguo (como Camila explica no artigo publicado aqui), muitos países entenderam que o offsetting entra e outros como o Brasil entenderam que não. Então agora este também é um tema forte na negociação.
O segundo ponto é um tema de grande atenção para o Grupo Carta de Belém, desde que o mesmo vem acompanhando com preocupação as novas formas de “contabilizar” benefícios, como por exemplo, via mecanismo Economia dos Ecosssitemas e da Biodiversidade (TEBB) da Convenção de Biodiversidade (CDB).
O que está na mesa de negociação e como validar estes benefícios extra carbono para projetos sustentáveis e como isso poderá ter validade também na Convenção, ao estabelecer pagamentos baseados em resultados que seriam incrementados pra além da redução de emissões de gases do efeito estufa.
ADP e emissões históricas
Como o debate ainda sobre as responsabilidades comuns porém diferenciadas e suas respectivas capacidades (CRBD- RC) não é resolvido, os países em desenvolvimento vem usando nova estratégia ao passar a discussão sobre emissões históricas para o item sobre transparência na Plataforma de Durban. Com isso, estão evitando utilizar o termo, mas indiretamente continuam sob outra perspectiva. A proposta brasileira, englobada pelo G-77, de criar um referencial de calculo de emissões pelo IPCC que foi rechaçada em Varsóvia pelos países desenvolvidos continua na gaveta e sem previsão se ira ser reutilizada na negociação ou não.
Maiores emissores de carbono são destaque nos side events
No dia 10 de junho, a Fundação Heinrich Böll realizou um side event e lançou a publicação Carbon Majors fundind loss and damage. Um paper produzido por Julie-Anne Richards e Keely Boom. O paper é um estudo de caso sobre os produtores de combustíveis fosseis e de cimento, que por suas emissões deveriam ser os provedores de fundos para o recém criado na COP 19, em Varsóvia, Mecanismo Internacional para Perdas e Danos (Warsaw International Mechanism for Loss and Damage). O mecanismo visa apoiar os países mais vulneráveis e comunidades atingidas por eventos extremos ligados as mudanças climáticas e prover financiamento para o enfrentamento dessas catástrofes.
A abordagem defendida pelo paper é baseada no direito internacional e no princípio dos danos transfronteiriços. As autoras acreditam que esta abordagem estaria de acordo com a convenção (UNFCCC) e que já teve precedentes em outros momentos como quando da assinatura da Declaração do Rio, em 1992.
Além de uma das autoras, Julie-Anne, estavam na mesa um representante de uma organização Filipina e um de um centro de pesquisa de Bangladesh, que em sua fala contundente disse que ao invés da terminologia “carbon majors”, deveriam utilizar “carbon criminals”, os criminosos do carbono. Lili Fuhr, da área internacional da sede da Fundação Böll, moderou o debate que foi bem interessante, com grande participação. A publicação está disponível em inglês pelo link http://www.boell.de/en/2014/06/05/carbon-majors-funding-loss-and-damage e terá versão em espanhol nas próximas semanas.