Mineração, Violências e Resistências - um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil

Contrariamente à atmosfera do início dos anos 2000, os contextos e dinâmicas que configuram as ‘guerras por recursos’ na contemporaneidade remetem à emergência de diferentes níveis de retrocessos institucionais, com destaque para o desmantelamento dos sistemas de regulação ambiental e das normas que visam assegurar os direitos territoriais dos povos indígenas. A desregulação socioambiental em curso tem sido acompanhada por variadas formas de violência, as quais caminham lado a lado com processos que visam a despolitização e a criminalização de atingidos, movimentos e grupos engajados na resistência à mineração, além de pesquisadores críticos. 

Tais transformações emergem no bojo de uma nova ordem econômica e político-ideológica sustentada pelo boom internacional dos baixos preços de matéria-prima e bens de consumo demandados pelos países desenvolvidos e potências emergentes no período entre 2000 e 2011, fenômeno identificado por Svampa (2013) como ‘consenso das commodities’ na América Latina. Como uma espécie de corolário desse consenso, Zhouri, Bolados e Castro (2016) chamam atenção para um complexo processo de ‘violência
das afetações’ colocado em prática pelo neoextrativismo. Esse processo compreende uma série de dinâmicas interligadas, as quais são definidas fora da localidade, por mercados mundiais, mas que encontram materialidade nos territórios. Fundamentalmente, as ‘violências das afetações’ implicam em expropriação, na destruição de biomas e ecossistêmas, na eliminação das economias locais e regionais, assim como na aniquilação dos modos de ser, fazer e viver territorializados. As afetações ao meio ambiente e às comunidades são reetidas ainda nas violações das normas – construídas e pactuadas em níveis nacional e internacional – e na distorção dos mecanismos de participação política consolidados nos períodos pós-ditatoriais em diferentes países do continente latinoamericano. 

Os efeitos dos neoextrativismos são visíveis para além dos impactos sociais e ambientais comumente identificados nas localidades das operações. Os ‘efeitos derrame’ da mineração (Gudynas 2016) podem ser observados nas instituições, nos governos, em outras facetas da economia, nos sistemas jurídicos e na legislação, e ainda em escalas e níveis variados e entrelaçados, os quais demandam compreensão.
As estratégias das corporações e do Estado insistem na monopolização e na privatização dos ambientes comuns, principalmente nos territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, algo que configura enorme pressão sobre "orestas, terras, solos, rios e subsolo. O avanço sobre as terras tradicionalmente ocupadas tem provocado conflitos, inclusive com a destruição de comunidades inteiras, como revela o desastre ocorrido no Vale do Rio Doce (primeira parte deste volume).

De forma significativa, logo após a ruptura da barragem, parlamentares da Assembléia Legislativa de Minas Gerais não hesitaram em aprovar um decreto que "flexibiliza o licenciamento ambiental para torná-lo mais célere na aprovação de licenças para a mineração. Processo semelhante ocorreu no Senado Federal, em que uma proposta de Ementa Constitucional, introduzida anteriormente em 2012, foi aprovada no início de 2016. Na prática, essas manobras representam o desmantelamento do sistema de normas que obriga a avaliação de impacto ambiental para o licenciamento das grandes obras (veja comentários em Zhouri et al.; Santos & Milanez e Acselrad, neste volume), e reclamam por estudos etnográficos sobre as práticas do Estado e a construção de legalidades, ilegalidades e ‘alegalidades’ (Zhouri,
Bolados e Castro 2016; Santos et al., neste volume).

A "flexibilização das normas e o retrocesso institucional colocam em questão a própria noção de democracia e configuram um dos ‘efeitos derrame’ da mineração. Os desastres se multiplicam na mesma medida em que os espaços da política são transformados em instâncias de judicialização e criminalização de atingidos e lideranças que lutam em defesa dos seus territórios e modos de vida a eles associados. A violência dessas formas de apropriação do lugar do outro e sua submissão aos diferentes tipos de ameaças obliteram diferenças, diversidades, identidades e escolhas coletivas (Zhouri, Bolados e Castro 2016).

Não obstante, em face a esse cenário desolador, povos indígenas, pescadores, camponeses, quilombolas entre outros se mobilizam para contestar o ataque aos seus territórios, a rapina dos seus recursos naturais, a invasão de agentes corporativos legitimados pelo poder estatal que prioriza a exportação de commodities como plataforma para o chamado desenvolvimento. As experiências críticas revelam que os múltiplos processos das ‘violências das afetações’ promovidas pela mineração em larga escala fazem emergir contextos de lutas e de resistência que entrecruzam distintas trajetórias de ativistas, grupos atingidos, militantes e pesquisadores (textos de Rigotto e Acselrad, neste volume; Zhouri, Generoso e Corujo 2016).

 

Detalhes da publicação
Data da publicação
Dezembro de 2017
Editor/a
Editora Iguana - ABA
Número de páginas
297
Licença
Idioma da publicação
Português
ISBN / DOI
978-85-68819-13-5
Índice

Introdução .........................................................................8
Produção de conhecimento num ‘campo minado’
Andréa Zhouri

Parte 1: o desastre do rio doce
Afetações, resistências, políticas

Capítulo 1 ................................................................. 28
O desastre do rio doce: entre as políticas de reparação e a gestão das afetações
Andréa zhouri, Raquel Oliveira, Marcos Zucarelli, Max Vasconcelos

Capítulo 2 ................................................................... 65
“não foi acidente!” O lugar das emoções na Mobilização dos afetados pela ruptura da barragem de rejeitos da mineradora Samarco no Brasil
Cristiana Losekann

Capítulo 3 ..................................................................111
A construção do desastre e a ‘privatização’ da Regulação mineral: reflexões a partir do caso do Vale do rio doce
Rodrigo Salles Pereira dos Santos e Bruno Milanez

Capítulo 4 .................................................................155
Mariana, novembro de 2015: a genealogia Política de um desastre
Henri acselrad

Parte 2: violências, Resistências e Produção de Conhecimento

Capítulo 5 ..................................................................176
Impactos supostos, violências reais: A construção da legalidade na implantação do projeto Minas-Rio
Ana Flávia Moreira Santos, Luciana da Silva Sales Ferreira e Vinicius Villela Penna

Capítulo 6 ..................................................................221
Conhecimentos em disputa no conflito ambiental em torno da mineração de urânio e fosfato no Ceará
Raquel Maria Rigotto

Capítulo 7 ................................................................. 259
Mina-Ferrovia-Porto: no “fim de linha”, uma cidade em questão
Horácio antunes de Sant’ana Júnior e Elio de Jesus Pantoja Alves