Posição do Carta de Belém sobre a COP 22

COP22
Teaser Image Caption
Representantes do Grupo Carta de Belém estão em Marrakech acompanhando a COP22

O Grupo Carta de Belém – articulação, parceira da Fundação, que reune movimentos sociais, sindicais, ONGs e populações tradicionais - lançou no dia 14 de novembro um documento que apresenta a posição do grupo diante do curso das negociações da COP 22, em curso na cidade de Marrakech, Marrocos, até sexta-feira (18/11). Leia abaixo na íntegra o documento.

Posição do Grupo Carta de Belém frente à COP 22

O Grupo Carta de Belém – articulação brasileira de movimentos sociais, ONGs, populações tradicionais, sindicatos e pesquisadores – vem monitorando e incidindo junto à delegação brasileira nas negociações internacionais do clima desde 2009. Entre as ações do grupo, acompanhamos os impactos das políticas climáticas e reforçamos as alternativas existentes nos territórios. Refletimos de forma crítica sobre a criação de marcos legais que ameaçam a tutela constitucional dos bens comuns, promovem esquemas de financeirização da natureza e ameaçam a integridade ambiental – como na implementação de mecanismos do mercado de carbono – e que também violam os direitos dos/as agricultores, povos indígenas e populações tradicionais.

Neste sentido, entendemos que seguem na ordem do dia questões essencialmente políticas que devem ser enfrentadas pelos países. Gostaríamos de manifestar as seguintes preocupações sobre as negociações da COP 22 em curso na cidade de Marrakech:

1.A ratificação massiva do Acordo de Paris e sua entrada em vigor já em 4 de novembro último reforçam o clima desta COP22 como uma COP da implementação. Mais do que alimentar expectativas positivas, o que observamos aqui é um viés preocupante com relação ao que está sendo promovido sob o nome de “ações climáticas”. Neste sentido, vemos com extrema preocupação a promoção generalizada das Parcerias Público Privadas como solução para o financiamento e implementação das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), com estas sendo reduzidas à condição de “planos de negócios” e oportunidades para investidores e interessados em vender tecnologia e patentes.

2. A implementação das NDCs deve ser primordialmente garantida por meio de financiamento público, com os países que historicamente mais contribuíram para as mudanças do clima assumindo suas respectivas responsabilidades. O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas segue sendo basilar ao regime da UNFCCC e não deve ser subvertido pelo que foi acordado em Paris. Contamos com o esforço do Brasil na defesa deste ponto tão crucial nas negociações. Além disso, tal como esperamos que será discutido no nosso âmbito doméstico, em um processo interno de consulta e diálogo amplo e democrático sobre a implementação da NDC brasileira, esta deve ser um marco geral para articulação de políticas públicas para a mitigação e a adaptação e ações para promover direitos e garantir formas de vida.

3. O setor do uso da terra é responsável por dinâmicas que impactam nas mudanças do clima, em especial no Brasil. Contudo, preocupa a forma como, no âmbito das negociações, o tema da agricultura vem sendo promovido por países desenvolvidos como oportunidade de contabilizar mitigação, em especial por meio da promoção da agricultura climaticamente inteligente, em consonância com interesses corporativos e evitando assim reduções reais no setor de energia. Reforçamos aqui a manutenção da agricultura no âmbito da adaptação. Além disso, nos preocupa a retomada dos agrocombustíveis, apresentados agora sob o tema dos “transportes”, e não mais energia, associados a uma plataforma global de Biofuturos, tal como anunciado pelo Brasil. Ressaltamos que este debate ultrapassa a competência desta negociação e está intrinsecamente relacionado com temas de alto impacto na biodiversidade – incluindo biotecnologias para combustíveis de segunda geração – além de dinâmicas territoriais e sociais no Brasil, que afetam povos indígenas, populações rurais e trabalhadores/as.

4.No âmbito das negociações sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, reforçamos nossa posição de rechaço aos mecanismos de mercado e mecanismos de offset como um ponto crucial para a integridade ambiental do regime de clima.

5. Por fim, destacamos o papel central que o Brasil vem desempenhando historicamente no âmbito das negociações internacionais e na defesa de sua posição de manter as florestas fora de mecanismos de offset. Este logro reflete uma posição respaldada por um amplo segmento da sociedade civil e que contou com atuação decisiva dos negociadores brasileiros na construção do arcabouço para REDD+, consolidado no Marco de Varsóvia para pagamentos baseados em resultados, refletido no artigo 5 do Acordo de Paris, que versa exclusivamente sobre este tema. Este entendimento também já foi internalizado no Brasil por meio do Decreto 8.576/2015. Reiteramos aqui nossas posições críticas à lógica dos pagamentos baseados em resultados. Contudo, entendemos que o decreto assegura coerência e centralidade do governo federal na coordenação das ações e na governança de REDD no país, excluindo a geração de créditos de qualquer natureza, evitando dupla contabilidade, etc. Não obstante, há muito o que melhorar no que toca aos direitos de participação nos processos decisórios, ampliando assentos e meios de participação para a sociedade civil.

Grupo Carta de Belém

Marrakesh, 14 de novembro de 2016

O Grupo Carta de Belém é uma articulação nacional brasileira formada pela Associação Brasileira de Estudantes em Engenharia Florestal (ABEEF), Amigos da Terra Brasil, ANA, ANAMA, CEAPAC, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Central Única dos Trabalhadores (CUT), FASE, Fórum Mudanças Climáticas Justiça Social (FMCJS), Fundo Dema, Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Jubileu Sul Brasil, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), STTR-ST, Terra de Direitos e Via Campesina Brasil.