O governo brasileiro apresentou, semana passada, as Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDC, na sigla em inglês) para a COP 21. Apesar de ambiciosas, principalmente se comparadas com as contribuições nacionais de outros países em desenvolvimento, particularmente os do BASIC (Brasil, África do Sul, India e China), as medidas domésticas propostas para implementar as metas irão criar mais impacto e injustiças socioambientais nos territórios brasileiros, aprofundando o modelo atual de desenvolvimento.
As metas anunciadas pelo Brasil englobam toda a economia e pretendem reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) em 37% até 2025, com base no nível de 2005, como meta de um único ano. Também indica 43% abaixo dos níveis de 2005 até 2030 como meta de referência. Em 2009, o Brasil assumiu um compromisso voluntário que objetiva atingir a emissão bruta de aproximadamente 2 GtCO2e até 2020. Esta INDC representa uma redução bruta adicional de aproximadamente 19% até 2025. Além do mais, esta contribuição é consistente com reduções de 6% até 2025 e 16% até 2030 abaixo dos níveis de 1990 (1.4 GtCO2e GWP-100; IPCC AR5).[i] Por isso, de acordo com este documento oficial, o país já cortou cerca de 41% das emissões em função dessas metas voluntárias que foram previamente determinadas. Então, o Brasil está a caminho de cortar emissões em setores principais, nos quais este texto se concentra, que são os setores de energia e reflorestamento.
Apesar dos números ambiciosos, as INDCs brasileiras serão implementadas por medidas nas quais não se vê nenhuma mudança concreta visando um posicionamento global capaz de integrar questões sociais, econômicas e ambientais para uma transição para um novo modelo de desenvolvimento que pode ir além dos interesses de uma economia verde.
No setor energético, o Brasil propõe aumentar o uso de biocombustíveis em 18% no mix energético nacional, em relação ao etanol, biocombustíveis de segunda geração e a parte de biodiesel na mistura do diesel. Isto significa mais monoculturas, mais danos ao solo e perdas de biodiversidade, mais impactos ambientais e violações dos direitos humanos. É uma questão importante que, no entanto, não foi incluída nas preocupações institucionais.
A questão relacionada à energia hidrelétrica vem em um item relativo ao aumento da taxa de uso de energia renovável em 45%. É um ponto muito negativo, importante de se ressaltar, devido às muitas violações de direitos, impactos ambientais e injustiças que a construção de represas vem causando. Por exemplo, a represa de Belo Monte desalojou 40 mil pessoas que viviam numa área de 1.500 km2. Os territórios em que essas populações viviam foram devastados pela construção da represa.[ii]
O reflorestamento é outro importante setor para redução de emissões adicionais. Ele está completamente entrelaçado ao novo Código Florestal, aprovado em 2012. O atual governo cunhou uma nova terminologia oficial, que é “desmatamento ilegal”. Quando o documento das INDCs diz que o Brasil vai zerar o desmatamento ilegal até 2030 está na verdade dizendo que há um desmatamento dentro da lei. Consolida-se, assim, uma terminologia que diz que há dois tipos de desmatamento: um legal, e o outro ilegal. O novo Código Florestal deu margem à legalização de várias formas de desmatamento. Então, se você tem uma propriedade no Bioma Amazônico que por lei só pode ser desmatada em 20% e o resto tem que ser uma reserva legal, você não necessariamente precisa parar o desmatamento em 20% porque é possível comprar títulos de reservas legais em outras propriedades situadas dentro do módulo rural fiscal, e tudo isso acontece via bolsas de ativos ambientais, como a Bolsa de Ativos Ambientais do Rio de Janeiro. Foi criado um instrumento financeiro chamado Cota de Reserva Ambiental (CRA), um título que representa x% das reservas legais de uma propriedade que foi menos desmatada do que poderia por lei. A prática foi legalizada, mas, apesar disso, também é um tipo de desmatamento.
Outra proposta para atingir as metas brasileiras está relacionada com o reflorestamento de 12 milhões de hectares de matas até 2030 com múltiplos objetivos. A área equivale a metade do território do Reino Unido. Quando o Brasil fala em reflorestamento, não está relacionado às florestas nativas, porque não há distinção no documento sobre as florestas (nem na lei brasileira) entre florestas plantadas (palmeiras-de-óleo, eucaliptos, pinheiros) e floresta nativa. O fato é que o reflorestamento anunciado é uma brecha que é importante que se ressalte. Em 2012, o Brasil já tinha uma área de 7 milhões de hectares de florestas plantadas. Com a atual crise hídrica, aumentar a área dessa espécie de monocultura será um desastre para a conservação da água e da biodiversidade.
Apesar de o Brasil estar em concordância com as metas da convenção climática e como a UNFCCC, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi constituída e negocia com foco na mitigação, tanto o Brasil e a Convenção desconsideram as questões de impactos socioambientais e injustiças enquanto criam mecanismos de marketing e falsas soluções que pioram o clima e a crise ambiental. Além disso, ignoram a principal questão, que é o tipo de modelo de desenvolvimento que o país precisa para um caminho de uma transição ecológica.
A obsessão neste foco evitou a discussão necessária sobre mudança nos padrões de produção, distribuição e consumo em todo o mundo, e os mecanismos criados para descarbonizar podem gerar mais injustiças e impactos ambientais nas áreas rurais, de florestas e urbanas.
Neste sentido, apesar das metas ambiciosas, as medidas que o Brasil vai tomar no âmbito doméstico para alcançar essas metas são apáticas e não implicarão em mudanças, mas em um aprofundamento de políticas para apoiar setores que vêm violando e sistematicamente causando impacto ao meio ambiente e às pessoas que vivem nele.
[i] Para mais informações, verifique as iNDC do Brasil, disponíveis em www4.unfccc.int/submissions/indc
[ii] Veja mais em http://www.mabnacional.org.br/node/4228; http://amazonwatch.org/work/belo-monte-dam