Comitiva alemã visita Mato Grosso para avaliar impactos socioambientais do cultivo da soja

Colheita de soja mecanizada no Mato Grosso
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Colheita de soja mecanizada no Mato Grosso

Notícia publicada originalmente no site do Grupo de Intercâmbio em Agricultura Sustentável (Gias). 

 

A Alemanha é o principal produtor de carne da Europa e, por essa razão, é um dos principais importadores de soja brasileira para a fabricação de ração animal.  Ciente desse fato, o líder do partido alemão “Bündnis 90/Die Grünen no Bundestag”, em português a “Aliança '90/Os Verdes”, visitou o Brasil e, mais especificamente, o estado de Mato Grosso, para analisar os impactos sociais e ambientais do comercio de soja, com um interesse particular na utilização de agrotóxicos, como o Glifosato. “Gostaríamos de conhecer os impactos que nosso consumo diário tem sobre os países com os quais negociamos. É imprescindível que a sociedade alemã conheça as consequências da produção de soja”, disse Anton Hofreiter, deputado federal do terceiro partido mais representativo do Parlamento Alemão.

A aliança ’90 é um partido socioambiental preocupado com várias problemáticas de grande impacto mundial, como o aquecimento global, o desmatamento, os organismos geneticamente modificados – OGM e o uso de agrotóxicos, entre outros. Nesse contexto, Anton explicou que o caso da monocultura de soja é muito representativo, pois abrange quase todas as problemáticas socioambientais. Nesse sentido, o objetivo da viagem foi conhecer um caso representativo no Brasil. Com o apoio da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase de Mato Grosso e da Fundação Heinrich Böll, o deputado federal decidiu visitar o município de Lucas do Rio Verde.

A comitiva alemã chegou a Brasília na terça 20, onde se reuniu com movimento socioambientais, com a ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, e com o presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal do Brasil, Blairo Maggi, também conhecido como o “Rei da Soja”. No dia seguinte, orientada por Francileia Paula de Castro, técnica agrônoma e educadora da Fase e Dawid Bartelt, diretor do escritório brasileiro da Fundação, a comitiva foi para Lucas do Rio Verde. Na manhã, a comitiva se encontrou com agricultores familiares que explicaram as dificuldades enfrentadas com relação aos plantios de soja e à utilização de agrotóxicos que dominam a região. Por um lado, a distância mínima de pulverização dos venenos era de, pelo menos, 300 metros de qualquer de área de abastecimento de água ou habitacional, mas foi diminuída para 90 metros pelo Decreto Estadual do Mato Grosso número 1.651/ 2013, o que aumenta a probabilidade de contaminação dos plantios dos pequenos agricultores. Por outro lado, as pragas, afugentadas pelos agrotóxicos, acabam invadindo os cultivos dos mesmos. Tudo isso impossibilita a prática agroecológica.

Na sequência, eles se reuniram com o vice-prefeito, Miguel Vaz Ribeiro, também acionista e ex-presidente da Fiagril, empresa que comercializa agrotóxicos, serviços técnicos, grãos e biodiesel para o setor agrícola. Miguel Vaz apresentou Lucas do Rio Verde como um município em desenvolvimento positivo graças à economia do agronegócio. 

O deputado Anton Hofreiter o questionou sobre os impactos da utilização de agrotóxicos para a monocultura de soja e sobre os escândalos de 2006, quando um avião pulverizou veneno sobre a cidade e, outro, de 2011, quando uma pesquisa revelou a contaminação do leite materno de 62 mães do município. O vice-prefeito respondeu que ainda não está comprovado o impacto nocivo dos venenos sobre a saúde e que, por outro lado, o mercado, através de suas exigências, impõe a utilização de agrotóxicos. Anton explicou que o consumidor europeu estava cada vez mais preocupado com a responsabilidade do seu consumo cotidiano e que produtos derivados de culturas que utilizem glifosato, entre outros agrotóxicos, poderiam ser barrados em vários níveis, como na União Europeia por exemplo. Miguel Vaz explicou que, mesmo assim, não há real probabilidade em parar de utilizar agrotóxicos, quanto mais o glifosato, e que existiam outros mercados, por exemplo, o da China, principal importador mundial de soja brasileira.  

Visitando o Hospital São Lucas, a comitiva pode testemunhar, uma vez mais, o argumento segundo o qual as consequências na saúde provocadas por essas substâncias ainda não foram comprovadas.

Foi nesse contexto que, Fancileia Paula de Castro, também representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em Mato Grosso, apresentou o ‘Dossiê Abrasco – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos sobre a saúde’, que traz informações científicas denunciando os impactos dos venenos agrícolas sobre a saúde e o meio ambiente, incluindo dados sobre a ameaça cancerígena. “Viemos para Lucas porque os dois escândalos criaram uma oportunidade para pesquisas e divulgação de informações sobre os impactos desses venenos. Mas a situação no estado é parecida em qualquer lugar onde se cultive com agrotóxicos”, explicou Francileia.

Além dos impactos sobre a saúde e o meio ambiente, o deputado alemão estava interessado em conhecer os conflitos sociais e fundiários ocasionados pela monocultura da soja. Por isso, na sexta 23, a comitiva se reuniu no Centro Burnier Fé e Vida, em Cuiabá, com o coordenador Inácio José Werner e com Teobaldo Witter, ouvidor geral da polícia do estado de Mato Grosso, que representavam a Comissão Pastoral da Terra – CPT. Inácio e Teobaldo apresentaram o contexto global dos conflitos da terra no estado, ligados ao agronegócio. De 2000 a 2014, mais de 18.000 famílias foram despejadas, mais de 110.000 delas foram envolvidas em conflitos de terra, cerca de 8.000 pessoas foram declaradas vítimas de trabalho escravo e, apenas em 2014, 5 lideranças camponesas foram assassinadas. . Inácio explicou que tudo isso se deve à luta e concentração das terras por grandes fazendeiros e lobbys agrícolas, destruindo a agricultura familiar e a agroecologia, assim como as populações tradicionais, assentadas, indígenas e quilombolas, que fornecem cerca de 70% dos alimentos do país. Explicaram, também, que um dos grandes problemas do Mato Grosso é que os sistemas judiciário, executivo e legislativo estão cooptados pelo agronegócio.

Na sequência, a comitiva alemã se reuniu com os pesquisadores Jackson Rogerio Barbosa, do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador – Neast e Francco Antonio Neri de Souza e Lima do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFMT, ambos especialistas em impactos de agrotóxicos. Os pesquisadores explicaram que, apesar dos efeitos negativos dos agrotóxicos sobre o meio ambiente por contaminação do ar, dos solos e das águas e sobre a saúde em vários aspectos, as pesquisas independentes sobre essa temática não são apoiadas e muitas vezes são descreditadas. “Já foi evidenciada a contaminação do meio ambiente e a alta incidência de câncer em lugares com utilização dessas substâncias. No entanto, o agronegócio convenceu o Mato Grosso e o resto do país que é um sistema que sustenta o Brasil. Sendo assim, criticar esse sistema é como criticar o próprio país”, disse Francco. 

Francileia reforçou essa ideia explicando que a produção de soja em si não é o problema, senão o modelo de produção de monocultivo em larga escala, insustentável, além de social e ambientalmente injusto e perigoso.

Anton Hofreiter realizou, ainda, outras entrevistas no Rio de Janeiro. Ele explicou que levará todas essas informações para Alemanha com o objetivo de conscientizar a sociedade europeia, mesmo sabendo que a tarefa é difícil, pois o próprio Parlamento alemão está dominado por uma bancada ruralista apoiada por grandes lobbys agropecuários.

“É terrível conhecer os impactos socioambientais dessas monoculturas, sabendo que se a agricultura familiar fosse realmente apoiada, não haveria necessidade para a utilização de agrotóxicos ou transgênicos, além de criar 10 vezes mais empregos e ser social e ambientalmente justa”, concluiu o deputado alemão.